Por Bruno Lyra
‘Não lugar’ é um conceito do antropólogo francês Marc Augé, para designar um espaço de passagem incapaz de dar forma a qualquer tipo de identidade.
Pois o que a Vale fez ao lançar rejeitos do beneficiamento de minério de ferro na Praia Mole no último final de semana faz pensar que o arranjo minero-siderúrgico, capitaneado pela própria mineradora, considera essa região do planeta Terra como um não lugar. Trata-se do moribundo vale do Rio Doce em Minas, por conseguinte, o escondido e inexpressivo Espírito Santo.
É uma região condenada a produzir um dos pilares da civilização contemporânea: o ferro e o aço. Caminho que não foi escolhido pela população capixaba ou mineira, mas decidido nos escritórios de grandes corporações e gabinetes de governos. Era – e ainda é – preciso suprir a demanda global por metais.
No rio Doce, com a Samarco (Vale + BHP), o lançamento de rejeitos foi há dois anos. É um desastre/crime ambiental continuado e, com as chuvas de agora, o rio voltou a ficar grená-alaranjado e sujar com força o Atlântico sul. O caso foi considerado acidente pelas empresas.
Já no episódio de Praia Mole, a Vale afirma que foi algo controlado, autorizado e previsto como procedimento de segurança. O Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema) negou. Olha que o Estado (e também os municípios e a União) tem o histórico de ser bem generoso com a mineradora.
Se foi um procedimento de segurança, então havia risco de um rompimento de barragem/tanque de resíduos em Tubarão? Isto pode afetar moradores de Serra e Vitória nos bairros vizinhos? Quais substâncias químicas estão presentes na enorme descarga do último final de semana? Quantos litros foram lançados no mar? Isso acontece em toda chuva forte? Que risco isso traz a quem consome peixes e mariscos em contato com esses resíduos? A quem se banha nas praias? São perguntas ainda não respondidas.
Em 30 de outubro 2014, durante a superchuva que atingiu a Serra, um tanque de tratamento de resíduos oleosos da Vale extravasou, atingiu a lagoa Pau Brasil e inundou casas em Hélio Ferraz. Pelo crime ambiental, a Vale foi multada em R$ 4 milhões. Não pagou até hoje. Aliás, desde 2000 há pelo menos 19 multas não pagas pela Vale somente nas operações de Tubarão.
Mas ela segue tendo licenças ambientais renovadas e sendo chamada para acordos com o Governo, os chamados Termos de Compromisso Ambiental (TCA). Diferente de um cidadão comum que, se não pagar uma reles multa de trânsito, não consegue renovar seu licenciamento. E se rodar com o documento vencido, terá seu veículo confiscado pelo Estado sumariamente na primeira blitz.