“Minha vontade é encher tua boca na porrada”. Assim respondeu ontem (23) o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para o repórter do jornal O Globo que o questionava sobre os depósitos de Queiroz à Michele. O presidente pode até não ter ido às vias de fato, mas simbolicamente deu uma porrada na cara da democracia. Aliás, mais uma. Com atos e palavras, antes e depois de assumir o cargo, Bolsonaro é um prodígio em atacar as instituições republicanas e preceitos básicos da civilização.
Se um prefeito de uma pequena cidade tivesse ameaçado bater em jornalista que indagasse algo de interesse público, já seria gravíssimo. E que dizer então do principal chefe político do país? Ora, é sim da conta dos brasileiros querer esclarecimento sobre os tais depósitos. A idoneidade de Jair Bolsonaro e de seus próximos – incluindo filhos, esposa e amigos assessores de longa data – é sim de interesse dos brasileiros. Até porque os citados no episódio tem papel central no ‘projeto’ político que agora ocupa o Palácio do Planalto.
Ao voltar a subir o tom de forma pueril e grosseira contra a imprensa profissional, Jair Bolsonaro estimula a banda fanática de seus seguidores agredirem jornais e jornalistas. Tal como aconteceu em maio com fotógrafo da Folha de São Paulo.
Vale lembrar que ameaça é crime previsto no artigo 147 do código penal. Quando assumiu o cargo, o presidente jurou respeito à Constituição e às leis do Brasil. Porém uma vez na cadeira presidencial, não foram raros os momentos que Bolsonaro teve arroubos de ditador.
Mas os problemas do presidente com a imprensa vão muito além de seus sonhos autoritários. Tem a ver com a própria construção de sua imagem, calcada em narrativas enviesadas, recheadas de preconceitos, proselitismos e que por muitas vezes lança mão da mentira deslavada.
Lembram do kit gay nas escolas e da mamadeira de piroca durante a eleição de 2018? E da afirmação de que a covid-19 era uma gripezinha? Ou da fala de que a Amazônia não pegava fogo?
Jornais e jornalistas não são infalíveis. Mas trabalham numa atividade – o jornalismo – que é a ciência da comunicação e que por essência é antítese das fake news.
O fato de até agora Bolsonaro não sofrer impeachment após tanta afronta às leis e instituições nacionais deve-se ao capital político que acumulou, ao atendimento de interesses de grupos econômicos e religiosos poderosos e à própria sombra do poder militar.
Enquanto uma grande massa incauta sustenta e vê na postura tosca do presidente o mito que vai resolver os problemas do país, setores nada inocentes vão tocando suas agendas. Muitas delas nocivas, como a desregulamentação ambiental, a ampliação do acesso à armas de fogo e a do aparelhamento ideológico do estado por grupos ultraconservadores.
Ao agir grosseiramente e estimular ataques à imprensa, Jair Bolsonaro vai enchendo de porrada a boca da democracia.