
A escultura Os Maratimba, instalada na Praça dos Pescadores, em Nova Almeida, na Serra, foi alvo de vândalos na madrugada de quarta-feira (28). A obra, que celebrava a pesca ribeirinha e a força das mulheres da comunidade, foi parcialmente destruída antes de completar um ano de sua inauguração.
O que mais chamou atenção foi o fato de a parte danificada ser justamente a figura feminina, que integrava o conjunto artístico representando a vida tradicional da vila de pescadores.
Mais do que arte
Criada pelo artista plástico Tião Fonseca, com gestão da produtora cultural Fernanda Vieira e participação dos artistas Fernando Henrique e Wanderley Ferreira, além da Secretaria de Obras da Serra, a escultura foi construída em cimento com base de concreto. A canoa, feita em tamanho real, simbolizava as embarcações típicas da região.
“Não é apenas uma escultura, é a história da nossa comunidade sendo destruída. Vandalizaram a figura da mulher. Será que foi machismo? Não dá pra saber, mas dói. Me deparar com essa cena triste: a escultura no chão, quebrada, violentada por um ato de vandalismo. Recebi inúmeras mensagens, fotos, palavras de apoio. Amigos artistas, colegas de caminhada, todos demonstrando solidariedade. É um misto de revolta e tristeza que toma conta de mim. A dor não é só minha — é de todos nós”, ”, disse Fernanda Vieira, visivelmente abalada.

Apelos ignorados e falta de proteção
Desde a entrega da obra, Fernanda vinha alertando a prefeitura sobre o risco de depredação. Chegou a apresentar um projeto de iluminação cênica e sugeriu a instalação de uma estrutura de madeira de proteção, já que pessoas vinham subindo na escultura.
“Mesmo sendo de concreto, sabíamos que a estrutura não resistiria a esse tipo de uso contínuo. Destruir uma escultura não é apenas destruir um objeto. É desrespeitar uma memória coletiva, uma história viva, um símbolo de pertencimento. Que esse episódio nos faça refletir sobre a importância de cuidar do que é nosso, do que é de todos”, afirmou a produtora.
De acordo com Fernanda, a estrutrura vandalizada foi recolhida e levada para seu atelier para ser restaurada posteriormente.
O Tempo Novo procurou a Prefeitura da Serra para fala sobre o assunto e por meio de nota, o município informou que irá encaminhar uma equipe da Secretaria de Obras (Seob) ao local e irá avaliar tecnicamente como realizar o reparo da peça.
Ressaltou ainda que a Prefeitura repudia qualquer forma de vandalismo e informa que, caso os responsáveis sejam identificados, medidas legais serão devidamente tomadas, conforme prevê a legislação vigente. A população pode acionar equipes de segurança da Guarda Civil Municipal (GCM) da Serra ao presenciar situações de vandalismo. Para isso, basta entrar em contato pelo telefone (27) 3252-3711 e WhatsApp (27) 98166-0812.

Memória coletiva em risco
Para o morador Vilson Vieira Jr., o vandalismo é reflexo do apagamento da memória coletiva de Nova Almeida. “A praça já havia sido descaracterizada. Agora, perder essa escultura é perder um símbolo das nossas origens.”
A moradora Tamires Victória também se pronunciou. “A escultura não era só arte. Era memória. Representava a pesca artesanal e nossa cultura. Quem destrói, destrói também um pedaço da nossa identidade. Dinheiro público é nosso também. Que tristeza!”
Mobilização cultural segue viva
Apesar do episódio lamentável, a comunidade de Nova Almeida tem um histórico de resistência cultural.
Em 2020, moradores restauraram o Banco de Reis na praça da Igreja dos Reis Magos com apoio da artista plástica Madalena Krug, falecida em 2021. A iniciativa contou com a ajuda de nomes como Rick, Vander, Henrique, Isaías, Tiago Carreiro e Roberto Catirica, além de Fernanda Vieira e comerciantes locais.
Em 2021, Fernanda também participou da restauração da estátua de Chico Prego, que fica na Serra Sede e é o símbolo que homenageia um dos mais importantes nomes da revolta de escravos em busca da liberdade ocorrida em 19 de março de 1849.
Em agosto de 2024, os moradores de Nova Almeida, instalaram um mosaico em um poste na Avenida Edvaldo Lima, próximo à subida do morro que dá acesso à Igreja de Reis Magos. Todo o trabalho foi realizado com materiais reciclados de construções, como sucatas de azulejos, e os artistas se dedicaram integralmente à concretização da obra. À frente da iniciativa estão a artista plástica Waldirene D’Ávila, o arquiteto Alexandre Marangoni e a ativista cultural Fernanda Vieira.
Mais recentemente, Fernanda também participou da criação do Eco Mural de Tampinhas, um painel feito com 30 mil tampinhas plásticas recicladas instalado no Instituto Goiamum, em Balneário de Carapebus. A obra homenageia a biodiversidade marinha da região e virou um ponto de arte, educação e consciência ambiental.