Prefeitura da Serra alerta que tarifa de Trump encerrará uma década de prosperidade fiscal

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Prefeitura da Serra. Crédito: Divulgação

Desde a virada de 2014 para 2015, a Serra registra uma trajetória de prosperidade orçamentária. Ou seja, há 10 anos a arrecadação da Prefeitura cresce de forma contínua, permitindo a ampliação dos investimentos públicos e a oferta de mais serviços à população. Esse ciclo vitorioso está ameaçado pelas políticas tarifárias do presidente norte-americano, Donald Trump, que anunciou uma taxação de 50% sobre as exportações brasileiras. A medida afeta diretamente a economia da Serra e, consequentemente, a arrecadação pública do município.

A previsão é do secretário da Fazenda da Prefeitura da Serra (Sefa), Henrique Valentim, responsável pelas finanças municipais. “Por enquanto, o que temos é a ansiedade, já que tudo indica que a taxação realmente será implementada. Ainda não há reflexos práticos no orçamento, uma vez que as medidas ainda não entraram em vigor efetivamente. No entanto, sabemos que setores como o de rochas já estão sofrendo com suspensões”, afirmou.

Ao mencionar essas suspensões, Valentim se refere aos dados divulgados pelo Centrorochas, que apontam que, desde o anúncio das tarifas — feito em 9 de julho —, cerca de 60% dos embarques de rochas naturais brasileiras aos EUA foram suspensos. A situação impacta diretamente a Serra, que é o maior exportador brasileiro do setor. Entre janeiro e junho de 2025, um em cada quatro dólares das exportações brasileiras de rochas ornamentais saiu da cidade, sendo a maior parte destinada ao mercado norte-americano.

Henrique Valentim classifica o momento como sendo de “cautela total”, e prevê que, “no mínimo”, haverá uma estagnação na arrecadação municipal. Segundo ele, as turbulências geradas pelas incertezas do cenário internacional já inibem o consumo e os investimentos privados, o que pode forçar um reposicionamento estratégico dos mercados. Essa desaceleração econômica, segundo o secretário, tende a esfriar a movimentação financeira na cidade e, consequentemente, impactar negativamente a arrecadação da Prefeitura.

Orçamento cresceu 216,72% em 10 anos

Ao usar o termo “no mínimo”, o secretário Henrique Valentim abre margem para uma preocupação ainda maior em relação à economia da Serra. Isso porque, mesmo a simples estagnação da arrecadação já representa um impacto severo para a Prefeitura, que vinha, até então, em um ciclo contínuo de prosperidade fiscal ao longo da última década.

A última vez que o município não registrou avanço orçamentário foi entre 2014 e 2015, quando a arrecadação caiu de R$ 1 bilhão para R$ 969 milhões. Desde então, o orçamento da Prefeitura da Serra passou por um crescimento vertiginoso, acumulando um aumento de 216,72% entre 2015 e 2024, e atingindo o recorde histórico de R$ 3,07 bilhões no ano passado.

Esse avanço foi o que permitiu a realização de investimentos estruturantes, consolidando a Serra como uma das cidades mais promissoras do Espírito Santo. No cenário da Serra, a estagnação do orçamento representa uma ameaça direta aos avanços conquistados nos últimos anos, já que a demanda por serviços e investimentos públicos cresce de forma contínua.

Crescimento populacional e demanda pública não param

Para dimensionar o desafio, basta observar os dados populacionais: entre os Censos Demográficos de 2010 e 2022, a Serra foi a 12ª cidade com maior crescimento populacional percentual do Brasil e a 1ª no Espírito Santo. O município ganhou 103.319 novos moradores no período, passando de 417.330 habitantes em 2010 para 520.649 em 2022 — um aumento de 24,8%. A estimativa mais recente do IBGE projeta que a cidade já tenha ultrapassado 572 mil habitantes.

Ou seja, trata-se de um fluxo migratório constante, que obriga a Prefeitura a expandir continuamente sua estrutura. Em um cenário de estagnação orçamentária, pode haver sérias dificuldades para atender a essa demanda crescente, o que configura justamente o “cenário mínimo” previsto pelo secretário Henrique Valentim.

Num cenário mais pessimista, com paralisação produtiva e retração da atividade econômica, os efeitos sobre o orçamento público da Serra seriam drásticos, comprometendo a capacidade da gestão municipal de manter serviços básicos e realizar investimentos estratégicos. As consequências, nesse caso, seriam gravíssimas para a estabilidade administrativa e o bem-estar da população.

Aço e rochas: Serra é a cidade capixaba mais afetada

Com 74,6% de suas exportações destinadas aos Estados Unidos no primeiro semestre de 2025 — o equivalente a US$ 633 milhões —, a Serra é o município capixaba mais exposto aos impactos das tarifas de 50% anunciadas pelo governo Trump. No centro dessa vulnerabilidade estão a siderurgia e o setor de rochas ornamentais.

O secretário da Fazenda da Serra, Henrique Valentim, explica que os efeitos da taxação no orçamento municipal podem começar a aparecer por meio da retração dos serviços demandados pela ArcelorMittal – a maior empresa instalada na cidade – e pelas dezenas de empresas do setor de rochas. “Em um cenário de queda na produção, as empresas passam a contratar menos fornecedores e prestadores de serviços, o que impacta diretamente a arrecadação do município por meio do ISS (Imposto Sobre Serviços)”, destacou.

Outro reflexo está na possível redução do Valor Adicionado Fiscal (VAF), que compõe a cota-parte do ICMS — atualmente, a maior fonte de receita da Prefeitura da Serra. A desaceleração econômica impactaria diretamente esse índice, diminuindo os repasses estaduais.

Para se ter ideia do peso dessas duas fontes, em 2024 a Serra arrecadou R$ 409 milhões em ISS e recebeu R$ 609 milhões em repasses de ICMS. Ou seja, mais de R$ 1 bilhão do orçamento municipal — cerca de um terço da arrecadação total — está diretamente exposto aos efeitos econômicos das tarifas impostas pelos Estados Unidos.

“Não sabemos como as coisas irão se comportar. Se o Governo Lula decidir adotar uma política de reciprocidade, poderemos enfrentar na Serra outro efeito negativo, já que a cidade também importa produtos norte-americanos. Sabemos que tudo isso é ruim para o Espírito Santo, e ainda mais para a Serra. Até porque os mercados não viram uma ‘chavinha’ e, de um dia para o outro, passam a operar com novos fornecedores, distribuidores e relações comerciais; é um processo que demanda tempo”, afirmou o secretário da Fazenda, Henrique Valentim.

Ele também demonstrou preocupação com os próximos meses: “A estagnação do orçamento já é um problema. Não há nenhum indicativo de que o segundo semestre será melhor que o primeiro. A Serra não tem controle algum sobre esse contexto macroeconômico. Cabe a nós mitigar os possíveis impactos locais, repensar ações e nos planejar para enfrentar tudo isso da melhor forma possível”, finalizou.

Foto de Yuri Scardini

Yuri Scardini

Yuri Scardini é diretor de jornalismo do Jornal Tempo Novo e colunista do portal. À frente da coluna Mestre Álvaro, aborda temas relevantes para quem vive na Serra, com análises aprofundadas sobre política, economia e outros assuntos que impactam diretamente a vida da população local. Seu trabalho se destaca pela leitura crítica dos fatos e pelo uso de dados para embasar reflexões sobre o município e o Espírito Santo.

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