Rio paga o preço do sucesso e o ES colhe os frutos de ter ‘dado errado’

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O modelo de desenvolvimento econômico do Brasil historicamente contribuiu para a desigualdade social — uma herança que remonta ao período colonial e à escravidão. É possível que o Rio de Janeiro seja o maior expoente desse processo. Não por acaso, a cidade já foi a capital do país e, sob uma ótica histórica e econômica, sempre foi vista como um exemplo de sucesso — ao contrário do Espírito Santo.

Por anos, os capixabas conviveram com a pecha de “patinho feio” do Sudeste, enquanto o Rio era o oposto. A bem da verdade, dentro da lógica do desenvolvimento econômico brasileiro, o Espírito Santo deu muito errado. Mas, curiosamente, ter dado errado parece ser hoje a maior vantagem do capixaba.

As raízes do caos carioca são complexas e estão diretamente relacionadas à forma como o Estado se formou dentro da “lógica Brasil” de ser — um modelo que valorizou a concentração de renda e, consequentemente, produziu pobreza. A ascensão do Rio e o isolamento do Espírito Santo foram impulsionados especialmente durante o ciclo do ouro, quando a Coroa portuguesa concentrou investimentos e rotas comerciais no Rio de Janeiro, transformando-o em entreposto da economia aurífera.

Enquanto isso, o Espírito Santo foi transformado em uma espécie de barreira verde, cuja função era impedir invasões estrangeiras ao interior do continente — o que travou a abertura de estradas e a realização de obras que poderiam impulsionar o desenvolvimento local.

Não interessava à Coroa que o Espírito Santo prosperasse economicamente, pois isso colocaria em risco seu projeto de pilhagem aurífera. O resultado é que, quando essas amarras coloniais se romperam, o Rio era uma potência nacional e o Espírito Santo, um território esquecido.

Com o passar dos anos, essa condição se consolidou. Mas a lógica desigual do desenvolvimento brasileiro cobra um preço, e o Rio de Janeiro vem pagando caro. A violência é a face mais visível desse colapso, embora esteja inserida num contexto mais amplo de desigualdade social.

Já o Espírito Santo, um estado que “deu errado” economicamente, pouco populoso e de expressão política modesta, encontra hoje nesses fatores a sua maior vantagem. Enterrados os fantasmas do crime organizado e com uma governança mais profissional desde o início deste século, o Espírito Santo vem construindo um modelo de crescimento mais equilibrado.

Localizado entre o Sudeste e o Nordeste, com posição geográfica estratégica e centros urbanos menores e mais controláveis que os do Rio, o estado vive um bom momento histórico. Enfrenta desafios que, no Rio de Janeiro, parecem insolúveis.

Apesar de ainda conviver com pobreza, violência e deficiências em serviços públicos, o Espírito Santo está longe do caos fluminense. Aqui, tudo é menor — e, por isso, mais controlável, vigiado, organizado e eficiente. O Rio continua sendo uma joia brasileira, mas dentro da lógica do desenvolvimento nacional, ter dado errado pode ter feito bem ao Espírito Santo neste novo milênio.

No território capixaba, não há comunidades inteiras controladas por facções criminosas a ponto de impedir a atuação do Estado. Evidentemente, há organizações criminosas — muitas delas com vínculos cariocas —, mas nada que se compare ao contexto fluminense. Aliás, os indicadores de segurança pública no Espírito Santo vêm melhorando continuamente, ainda que a percepção popular de segurança nem sempre acompanhe os números.

O Espírito Santo tem, portanto, a oportunidade de crescer dentro de uma lógica social mais moderna, com desafios gerenciáveis e políticas públicas eficazes que possam reduzir as distâncias da desigualdade. Suas menores proporções territoriais e populacionais oferecem uma vantagem competitiva rara no país: a de aplicar o que deu certo no Brasil e se precaver diante do que deu errado.

Foto de Yuri Scardini

Yuri Scardini

Yuri Scardini é diretor de jornalismo do Jornal Tempo Novo e colunista do portal. À frente da coluna Mestre Álvaro, aborda temas relevantes para quem vive na Serra, com análises aprofundadas sobre política, economia e outros assuntos que impactam diretamente a vida da população local. Seu trabalho se destaca pela leitura crítica dos fatos e pelo uso de dados para embasar reflexões sobre o município e o Espírito Santo.

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