Quem mora na Serra sabe o que é começar o dia cansado antes mesmo de chegar ao trabalho. Dados do mais recente Censo Demográfico do IBGE, analisados pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), mostram que os moradores da Serra são os capixabas que mais passam tempo no trânsito. Metade dos trabalhadores que atuam fora de casa leva entre 30 minutos e até 4 horas para chegar ao trabalho, e o ônibus é o principal meio de transporte, usado por cerca de 50% das pessoas.
O estudo considera os deslocamentos de pessoas em idade economicamente ativa, ocupadas na semana de referência do Censo de 2022. Com base em dados complementares, a coluna estima que esse grupo corresponda atualmente a cerca de 300 mil pessoas na Serra.
Entre os tempos de deslocamento analisados, os serranos lideram o ranking de permanência no trânsito. Entre aqueles que precisam se deslocar para trabalhar (seja dentro do município ou em direção a outras cidades), 31,6% dos moradores da Serra passam de 30 minutos a 1 hora no trajeto. Nessa faixa de tempo, as cidades da Grande Vitória concentram os maiores índices, com Cariacica (29,7%), Viana (26,6%), Vila Velha (25,1%) e Vitória (23,2%) aparecendo logo em seguida.
Na faixa de tempo seguinte, entre 1h e 2h de deslocamento até o trabalho, os moradores de Cariacica lideram, com 19,6% de seus trabalhadores passando esse período no trajeto. Logo em seguida vem a Serra, onde 17,1% dos trabalhadores que atuam fora de casa passam de 1h a 2h no trânsito.
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Embora, proporcionalmente, os serranos estejam ligeiramente abaixo dos cariaciquenses, em números absolutos, devido ao maior contingente de pessoas economicamente ativas na cidade, são os moradores da Serra que mais realizam deslocamentos de até duas horas rumo ao trabalho em todo o Espírito Santo. Completam os cinco primeiros colocados Viana (16,7%), Vila Velha (13,4%) e Fundão (10,6%).
Na faixa seguinte, que reúne trabalhadores com deslocamentos de 2 a 4 horas, o grupo é bem menos expressivo dentro do conjunto geral, mas ainda assim a Serra volta a liderar o ranking, com 1,3% dos trabalhadores nessa condição, seguida de Cariacica (1,0%), Fundão (1,0%), Vila Velha (0,9%) e Itarana (0,8%).
No total, metade dos trabalhadores serranos que atuam fora de casa passa entre 30 minutos e até 4 horas no trajeto até o local de trabalho. Já no interior do Estado, essa lógica se inverte: as cidades com menores tempos de deslocamento (entre 5 e 30 minutos) concentram os maiores índices, refletindo a proximidade entre moradia e emprego nas regiões menos urbanizadas.
No caso da Serra, o tempo médio de deslocamento tende a ser ainda maior, pois, além do tráfego intenso dentro da própria cidade, cerca de 17% dos moradores economicamente ativos trabalham fora do município, o que reforça os desafios de mobilidade e integração metropolitana enfrentados pela população serrana.
Ônibus é a maioria
Entre os meios de transporte mais utilizados na Serra, o sistema Transcol lidera com ampla vantagem. Segundo dados do governo do Estado, metade das pessoas que se deslocam para o trabalho no município utilizam os ônibus como principais meios de transporte, fazendo da Serra a cidade capixaba que mais depende desse tipo de veículo para chegar ao trabalho.
Há anos se reconhece que a Serra é o maior cliente do sistema Transcol, e os novos dados apenas reforçam esse perfil, além de evidenciar a necessidade de investimentos em infraestrutura adequada ao transporte coletivo, como faixas exclusivas e corredores preferenciais.
Em seguida, com cerca de 22% dos deslocamentos, aparecem os automóveis de passeio, os carros comuns do dia a dia, como sedãs, hatchbacks, SUVs e picapes. Completam a lista dos principais meios de transporte na Serra os deslocamentos a pé (10%), de bicicleta (aproximadamente 9%) e de motocicleta ou mototáxi (em torno de 8%).
Descompasso entre necessidade e capacidade de execução
De acordo com apuração do Tempo Novo, os dados mostram que a Serra está reproduzindo, em escala regional, os mesmos gargalos de mobilidade das grandes capitais brasileiras, mas com uma particularidade: seu crescimento urbano é tão acelerado que as soluções de infraestrutura ainda tentam acompanhar o ritmo da expansão, iniciada na década de 1960, intensificada nos anos 1980 e que continua até hoje.
Essa velocidade de crescimento ajuda a explicar por que soluções consideradas estruturantes no passado, como o Contorno do Mestre Álvaro (planejado há mais de 20 anos) não tiveram o impacto esperado na mobilidade urbana atual. O que antes era visto como uma obra estratégica para desafogar o tráfego da BR-101, hoje já se mostra insuficiente diante da escala de urbanização e adensamento que a Serra alcançou.
Com o ritmo atual de expansão populacional e econômica, a Serra precisará investir em soluções integradas de mobilidade que ultrapassem o modelo tradicional de obras viárias pontuais, condição que vai depender de recursos vindos do Governo Federal e Estadual, já que sozinha a Prefeitura não tem caixa para isso.
O município já demanda um sistema de transporte de massa eficiente, com faixas exclusivas, novos modais de transporte (como trilhos suspensos) e integração metropolitana real entre Serra, Vitória, Cariacica e Vila Velha. Além disso, o avanço do setor logístico e industrial reforça a necessidade de planejar o deslocamento de cargas e pessoas de forma coordenada, evitando a sobrecarga nas principais vias (como já acontece na avenida Eldes Scherrer Souza, em Laranjeiras, por exemplo).
O desafio agora é alinhar o novo ciclo de crescimento urbano a um planejamento moderno e sustentável, que priorize o transporte coletivo e reduza o tempo médio de deslocamento, um dos principais entraves da qualidade de vida na cidade.

