
Nos últimos tempos, um fenômeno discreto mas significativo vem transformando o mundo do trabalho. Chamado de “demissão silenciosa” (quiet quitting), ele não significa pedir demissão, mas sim abandonar silenciosamente a cultura da entrega excessiva. Na prática, são profissionais que, exaustos de serem explorados, decidem fazer apenas o que está em seu contrato: nada de horas extras não remuneradas, nada de disponibilidade 24 horas por dia, nada daquele esforço extra que antes era visto como virtude, mas que hoje se revela como uma armadilha para a saúde mental.
Esse movimento não surgiu por acaso. Durante anos, romantizamos a ideia do profissional que “veste a camisa da empresa”, que coloca o trabalho em primeiro lugar, como se dedicar a vida ao emprego fosse um ato heroico – mesmo em jornadas desgastantes como a escala 6×1, que frequentemente compromete o tempo para descanso, lazer e convívio familiar. Só que, para muitas pessoas, essa dedicação sem limites levou a crises de ansiedade, esgotamento e à dolorosa sensação de que a vida estava passando enquanto elas estavam presas em reuniões intermináveis ou respondendo mensagens fora do horário de trabalho. A demissão silenciosa aparece então como uma forma de resistência passiva, um modo de dizer, mesmo que silenciosamente: “Se meu esforço extra não é valorizado, por que me sacrificar?”
Alguns gestores interpretam essa postura como preguiça ou falta de ambição, mas raramente se perguntam se o problema está no funcionário ou em um sistema que normaliza o excesso e trata o cansaço como falha pessoal. A verdade é que, quando o trabalho consome toda a nossa energia – especialmente em jornadas extenuantes -, não sobra quase nada para a vida pessoal, para os relacionamentos, para o simples prazer de existir sem pressão. A demissão silenciosa é, em muitos casos, um mecanismo de defesa de quem percebeu que saúde mental não é moeda de troca – e que nenhum salário compensa a perda do bem-estar.
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No entanto, é importante olhar para esse movimento com nuance. Fazer apenas o mínimo pode trazer um alívio temporário, mas se o ambiente de trabalho continuar tóxico – especialmente em escalas desgastantes como a 6×1 -, o mal-estar permanece. A solução não está apenas em reduzir o ritmo, mas em repensar coletivamente nossa relação com o trabalho. Afinal, por que aceitamos como normal aquilo que nos adoece? Por que glorificamos a produtividade a qualquer custo, mesmo quando o custo é nossa felicidade?
A demissão silenciosa é, acima de tudo, um sintoma. Um sinal de que o modo como trabalhamos está doente, e de que as pessoas estão, cada vez mais, recusando-se a participar desse adoecimento coletivo. Talvez, em vez de julgar quem recua, devêssemos fazer uma pergunta mais honesta: “O que o trabalho tem feito conosco?” E, mais importante ainda: “O que estamos dispostos a mudar?” Se você está enfrentando dificuldades relacionadas ao trabalho que estão afetando sua saúde mental – especialmente em jornadas exaustivas -, lembre-se que buscar ajuda profissional é um ato de coragem – um psicólogo pode ser um aliado fundamental nesse processo de reconstrução do equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Se o trabalho está afetando sua saúde mental, busque ajuda. Psicólogos/as podem auxiliar nesse processo. Em crises, o CVV oferece apoio gratuito (188 ou cvv.org.br).
Nilson Sant’Ana Aliprandi é Psicólogo Clinico – CRP 16/11049.
Psicólogo Humanista que realiza psicoterapia para adultos baseado na Abordagem Centrada na Pessoa. Também tem foco na prevenção do suicídio e autolesão, luto, negritude, LGBTQIAPN+, ansiedade, transtorno alimentar, depressão, autoconhecimento e etc. Contato: 27 99690-2180.