Dentro do modelo de desenvolvimento brasileiro — marcado por instabilidade fiscal, orçamentária e política, além da complexidade burocrática — há obras que levam décadas para serem concluídas. O Contorno de Jacaraípe é um desses casos: um investimento que atravessou mais de 30 anos e que, agora, finalmente se aproxima da conclusão – marcada para esse semestre de 2025.
Na origem, a obra foi idealizada pelo ex-prefeito da Serra, João Batista da Motta, e teve início em seu último mandato (1993–1996). Originalmente, ela atendia a uma visão estratégica de Motta, que enxergava Laranjeiras como um ponto de centralidade urbana para o município — por estar localizada em uma posição geográfica intermediária entre a Serra Sede, o Complexo de Tubarão, Vitória e o litoral.
Nesse contexto, a proposta era conectar o arranjo produtivo circunvizinho a Laranjeiras — impulsionado pelo crescimento do Civit II — à região norte do Espírito Santo, por meio de uma via que contornasse o perímetro litorâneo. O objetivo era evitar o estrangulamento do litoral de Jacaraípe, preservando suas características turísticas e paisagísticas. Assim, a nova rodovia surgiria como uma alternativa estratégica à ES-010, de perfil mais doméstico e turístico, e também à BR-101, que acabou isolando Jacaraípe do principal eixo logístico rodoviário do Estado.
Leia também

Concepção e Primeira Fase da Obra
Ainda no segundo mandato de Motta, o Contorno de Jacaraípe começou a sair do papel — da forma que era possível diante de um cenário nacional marcado por instabilidade, hiperinflação e fortes incertezas federativas. Motta reunia diversos predicados, entre eles a habilidade de articular recursos junto ao governo federal. Foi assim que conseguiu viabilizar o início da obra, com aportes vindos de Brasília.

Ainda na década de 1990, foi construído o primeiro trecho do contorno, ligando a Avenida Talma Ribeiro Rodrigues — nas imediações onde hoje funciona o Terminal de Jacaraípe (ainda inexistente na época) — até o bairro Lagoa de Jacaraípe, já na porção oeste do distrito, fazendo divisa com a Lagoa Juara e as áreas de eucaliptos da Suzano.
Entre avanços e estagnações, esse trecho chegou a ser urbanizado após anos de esforços. No entanto, de forma isolada, não foi capaz de cumprir o objetivo original de integrar Jacaraípe ao arranjo logístico capixaba — e muito menos de preservar o litoral como espaço doméstico e turístico da Serra. Somado a outros fatores, Jacaraípe continuou enfrentando um processo de definhamento econômico.
O tempo passou, e a obra acabou esquecida pelo Governo Federal — que precisa ser constantemente provocado para manter projetos em andamento. O Espírito Santo, por sua vez, enfrentava suas próprias crises e demandas mais urgentes, priorizando outros investimentos. Já a Serra, sem capacidade orçamentária para conduzir sozinha uma obra de tamanha complexidade, aguardou até que o contexto político e econômico se tornasse mais favorável.
Casagrande abraça o projeto
O projeto permaneceu incubado até o primeiro mandato de Renato Casagrande à frente do Governo do Estado (2011–2014), cuja gestão, historicamente, adota uma mentalidade desenvolvimentista na aplicação do orçamento público.
Em 2013, foi anunciada a retomada do Contorno de Jacaraípe, numa espécie de ‘segunda fase’. O novo trecho, com 8,5 km de extensão, parte da região oeste de Jacaraípe em direção a Nova Almeida — uma área particularmente desafiadora, tanto pela geografia acidentada, marcada por fundos de vale e irregularidades, quanto pela necessidade de atravessar terrenos pertencentes à Suzano.
Mesmo diante dessas dificuldades, o governo Casagrande, ainda em seu primeiro mandato, decidiu encarar o desafio e reativar o projeto, chamado oficialmente de ES-115. Em 2014, no entanto, o ex-governador Paulo Hartung venceu a eleição e assumiu o mandato no ano seguinte. O Contorno passou, então, por mais uma fase de ostracismo, com as obras abandonadas — como tantas outras paralisadas naquele período sob o discurso de contenção fiscal adotado por Hartung.
Na volta de Casagrande ao governo em 2019, a política de retomada de obras paralisadas foi implementada. Em 2021, já durante o período da pandemia, Casagrande anunciou oficialmente a retomada do Contorno de Jacaraípe.
Estratégica: interligação com Aracruz e Linhares
A coluna esteve na nova rodovia na última sexta-feira (25) e pôde constatar: trata-se de uma obra surpreendente — tanto por sua estrutura e importância estratégica, quanto pela trajetória histórica, marcada por mais de três décadas de esforços, idas e vindas.
O Contorno de Jacaraípe vai devolver à rodovia Abdo Saad sua vocação para o turismo e desviar o fluxo de caminhões para áreas não litorâneas de Jacaraípe e Nova Almeida. Em um plano mais amplo, a nova via tem potencial para posicionar a Serra como uma grande prestadora de serviços de apoio às atividades econômicas de Aracruz, funcionando como uma retroárea para operações logísticas, incluindo movimentação, armazenamento e distribuição de cargas.
Aracruz, que vive um momento de transformação econômica, pode ter na Serra um elo forte para o funcionamento desse novo sistema portuário — integrando os portos aos modais terrestres. Além disso, a Serra tem condições de fornecer mão de obra, equipamentos e produtos, especialmente no setor de metalmecânica, no qual se destaca como o mais forte do Espírito Santo.
No entanto, isoladamente, o Contorno de Jacaraípe traz mudanças limitadas. É aí que entra outro projeto estratégico: o Contorno de Santa Cruz, uma rodovia planejada pelo Governo do Estado que criará um novo eixo viário entre a BR-101 e a ES-010, interligando a zona de expansão logística-portuária de Aracruz à Serra. Com a conexão entre o Contorno de Jacaraípe e o de Santa Cruz, a Serra passará a integrar, pela faixa oeste, a pujante economia do norte capixaba. A obra inclui ainda a construção de uma nova ponte sobre o rio Reis Magos, contornando Praia Grande, no município de Fundão, e finalizando o trajeto na localidade de Santa Cruz.
Evidentemente, para que o Contorno de Jacaraípe atinja seu potencial, dependerá também da capacidade de negociação com a Suzano, proprietária das áreas por onde a rodovia vai passar. Atualmente, esses terrenos são destinados ao plantio de eucalipto — uma atividade que gera baixo retorno tributário, não contribui para a biodiversidade e tampouco estimula novos negócios. Pelo contrário, representa um entrave tanto na esfera empresarial quanto na gestão pública.
Lá na década de 1990, quando Motta idealizou o Contorno de Jacaraípe, o contexto econômico atual ainda não estava posto. A preocupação principal era evitar o estrangulamento do desenvolvimento urbano e preservar Jacaraípe e Nova Almeida em sua vocação praiana e turística. No entanto, diante dos novos cenários e demandas contemporâneas, o Contorno de Jacaraípe passou a integrar uma visão muito mais ampla, assumindo uma proporção estratégica ainda mais relevante para a interiorização do desenvolvimento do Espírito Santo.

