
Há anos o Brasil luta contra o trabalho infantil, que muitas vezes é utilizado de forma a explorar a mão de obra de crianças e adolescentes para complementação de renda familiar. Com a pandemia e o empobrecimento da população, muitos jovens foram empurrados para o abismo da miserabilidade potencializando a presença de crianças pedindo ajuda e vendendo materiais em sinais de trânsito.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a pobreza é uma das principais causas do trabalho infantil no mundo, e no Brasil não é diferente. Crianças são forçadas a trabalhar a fim de ajudar na geração de renda familiar, deixando de lado os estudos e vida social. É claro que existem tarefas domésticas pelas quais as crianças podem ajudar e auxiliar pais e mães, mas que se diferenciam muito do trabalho adulto, como por exemplo, circular pela cidade, muitas vezes desacompanhadas, vendendo produtos em sinais, sujeitas a todos os riscos presentes em uma cidade urbanizada como a Serra, por exemplo.
É considerado trabalho infantil, no Brasil, aquele realizado por crianças ou adolescentes com idade inferior a 16 anos, a não ser na condição de aprendiz, quando a idade mínima permitida passa a ser de 14 anos.
Em debate na Câmara da Serra ocorrido na última segunda-feira (14), levantado pela vereadora Elcimara Loureiro pelo dia 12 de junho, que é comemorado o Dia Nacional e Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, o colega e vereador da Serra, Jefinho de Balneário, usou a tribuna da Câmara para fazer uma defesa sobre a legalidade do trabalho de crianças, insinuando que é uma forma de aprendizado e de fuga do trafico de drogas, apontando uma ideia de condição binária vinculando a afirmação que o trabalho infantil tira crianças do crime, quando na verdade, especialistas apontam o contrário.
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“Às vezes a gente vê um menino trabalhando, vendendo um picolé e diz ‘ah é uma coisa errada… ah o menino tá no sol né… mas às vezes tá aprendendo uma profissão”, disse o vereador.
Em um discurso confuso e truncado, o vereador disse: “quem mais contrata na cidade da Serra não são as grandes empresas, são os traficantes; e aí vou dizer para vocês, precisamos de políticas públicas, vê o que vamos fazer com esses adolescentes, porque às vezes a gente vê um menino trabalhando, vendendo um picolé e diz ‘ah é uma coisa errada… ah o menino tá no sol né… mas às vezes tá aprendendo uma profissão… nós já falamos: ‘menino tá trabalhando… era para estar estudando’… era para está estudando sim, mas e quando está lá na boca vendendo droga?”.
Ele seguiu o pronunciamento e criticou os Direitos Humanos, mas de uma forma genérica, sem citar os órgãos pelos quais ele se referia, já que em regra, Direitos Humanos por si só, são um conjunto de normas que reconhecem e protegem a dignidade de todos os seres humanos, tratando de direitos básicos. Ele seguiu o pronunciamento defendendo que o trabalho infantil pode ser uma forma de aprendizado para crianças e “ensina a ser cidadão”. Vale ressaltar que o Estatuto da Criança e do Adolescente, diz exatamente o contrário, ao criar o marco legal e regulatório dos direitos humanos de crianças e adolescentes, como por exemplo, educação, saúde e alimentação.
“É isso que quero saber, a política pública para tirar o menino que tá aprendendo a ser um cidadão, talvez aprendendo a vender um picolé, aprendendo a uma arte, aprendendo a construir, fazer uns móveis”, afirmou
“Aí quero saber de vocês, quem é que vai lá falar (referindo-se ao aliciamento de jovens ao tráfico de drogas)? Quem é que vai lá questionar o traficante que contratou o menino? É isso que quero saber, a política pública para tirar o menino que tá aprendendo a ser um cidadão, talvez aprendendo a vender um picolé, aprendendo a uma arte, aprendendo a construir, fazer uns móveis… isso no passado me preocupava muitos, mas quando eu vejo hoje milhares de crianças vendendo droga, botando a vida em risco e morrendo, menino abaixo de 10, 11, 12 anos com fuzil na mão. Cadê nossas políticas públicas, cadê os Direitos Humano?”, disse.
Jefinho seguiu criticando os Direitos Humanos, sem citar esferas de poder e instituições pela qual ele se refere. Ele voltou também a defender o trabalho infantil questionando que ‘crianças não podem trabalhar, mas podem ficar na boca de fumo’, fato que não se aplica, já que ambos fazem parte de práticas proibidas.
“Enquanto a gente insistir com Direitos Humanos, que só é para arrumar problema, porque tá preso, para garantir direito de preso, e não ir lá na boca garantir o direito desses jovens ter uma vida digna e poder estudar e poder ser um cidadão… isso muito me indigna, porque a criança não pode trabalhar, mas pode ficar em uma boca de fumo, vendendo droga, atirando nos outros tirando a vida dos outros, colocando a vida deles em risco… isso está no dia a dia, e aí eu digo para vocês, se tem que encarrar e debater o social, nós temos que ir pra dentro aonde tá o problema, por isso eu digo a vocês se não tiver serviços públicos os Direitos Humanos não intervir na questão de combate aos adolescentes envolvidos com droga, a cidade da Serra não vai conseguir avançar”, disse Jefinho.
E completou: “Os Direitos Humanos é muito bom, parabéns, mas vou dizer uma coisa pra vocês, enquanto tivermos na Serra e no Brasil criança revirando lixo para comer, criança vendendo bala nos sinais pra comer, esses Direitos Humanos só quer arrumar briguinha, conversa… porque tem que ir pra dentro e acabar com a fome, com a miséria em nosso país e na Serra”, finalizou. Vale esclarecer, que o direito a alimentação e as condições básicas de sobrevivência são exatamente o que preconiza os Direitos Humanos, e quando eles são firmados dentro do ordenamento jurídico, tal como a Constituição 1988 que rege o país, eles passam a ser chamados de direitos fundamentais.
Veja discurso na íntegra a partir da 1h07 mim:
Vereadora critica colega e lembra que crianças que trabalham costumam abandonar escola

Após a fala de Jefinho, a vereadora Raphaela Moraes pediu um aparte e criticou o vereador pela insinuação favorável ao trabalho infantil.
“Essa última fala me deixou preocupada, em relação ao trabalho infantil. Hoje apareceu como lembrança no meu Facebook, um post que fiz há 6 anos que falava sobre um índice de que 90% das crianças que que trabalham, abandonam a escola; é um post que compartilhei do Tribunal Superior do Trabalho, que se refere ao dia 12 de junho, que é o Dia Internacional do Combate ao Trabalho Infantil; que nós fomos acionados como advogados para ajudar a divulgar”, disse a vereadora.
Ela cobrou ações do Governo do Estado e da Prefeitura para proteger as crianças do aliciamento do tráfico e de qualificar e encaminhar jovens para o mercado de trabalho, por meio de vagas de estágio e de menor aprendiz.
“É obvio que não estamos fazendo defesa que uma criança que não está trabalhando está vinculada ao tráfico de drogas, mas enquanto vereadora, o que peço é que o Estado amplie as escolas de tempo integral; que ofereça cursos técnicos para capacitar adolescentes; que abra vagas de menor aprendiz e estágios; que possamos direcionar nossas crianças e adolescentes para que sejam excelentes profissionais, como também que o Estado e o município deem oportunidades as famílias para que os jovens se afastem do mundo da criminalidade. Como parlamentar, meu compromisso com a cidade é fazer um discurso nesse sentido”, completou Raphaela.

