Menos de uma semana após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciar tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, o presidente Lula assinou a regulamentação da Lei de Reciprocidade Econômica. O decreto, publicado nesta segunda-feira (14), define em quais casos e de que forma o governo brasileiro poderá retaliar medidas como as impostas por Trump.
Em um cenário mais extremo — em que o Brasil opte por uma retaliação tarifária —, a Serra seria duplamente impactada. Isso porque, além de depender fortemente das exportações para os Estados Unidos, o município também tem os norte-americanos como principais fornecedores de produtos importados. É o que apontam os dados de 2024 do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Embora a dependência seja menor do lado das importações, ela ainda é significativa: no mesmo recorte, a Serra exportou 62% de seus produtos para os Estados Unidos e importou 25% do país. Ainda assim, os EUA foram o principal parceiro comercial da cidade também no que diz respeito à entrada de mercadorias.
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Vamos aos números: em 2024, a Serra importou um total de US$ 2,737 bilhões. Ou seja, em uma eventual guerra comercial, cerca de US$ 690 milhões em produtos vindos dos Estados Unidos estariam diretamente em risco. Trata-se de um cenário especialmente delicado para a cidade, que já enfrenta o desafio de manter sua competitividade no mercado americano diante das novas tarifas anunciadas por Trump.
Carvão mineral que abastece a maior empresa da Serra
Mais do que volume, o que está em jogo são itens de importância estratégica para a economia serrana. Assim como nas exportações, é o setor siderúrgico que concentra as maiores ameaças em um possível cenário de retaliação.
O principal produto importado foi o carvão mineral, insumo essencial para a produção da ArcelorMittal, maior empresa instalada na cidade. Em 2024, o carvão respondeu por 44% de todo o volume importado pela Serra — e parte desse material veio diretamente dos EUA. Caso a empresa não encontre alternativas de fornecimento, poderá enfrentar dificuldades operacionais, o que causaria um efeito em cadeia na economia local.
O carvão mineral, especialmente em sua forma processada como coque metalúrgico, é essencial na produção de aço pelo método tradicional em alto-forno, que é o da unidade de Tubarão, na Serra.
Ele cumpre três funções principais nesse processo. Primeiro, atua como combustível, fornecendo o calor necessário para alcançar as altíssimas temperaturas exigidas (cerca de 1.500 °C). Segundo, funciona como redutor químico, já que o carbono presente no coque reage com o oxigênio do minério de ferro (óxido de ferro), liberando o ferro puro. Por fim, o coque também serve como agente estruturante, pois sua forma porosa permite a passagem de gases e líquidos dentro do alto-forno, garantindo a fluidez do processo.
Resumidamente, sem o carvão mineral, não há produção eficiente de aço — e isso representa uma gravíssima ameaça econômica para a Serra. Isso porque a cidade é altamente dependente das atividades da ArcelorMittal, maior empresa do município e verdadeira âncora econômica local. Ao redor dela gira uma cadeia bilionária que movimenta produtos, serviços, gera milhares de empregos e tributos fundamentais para a arrecadação da cidade.
Além do carvão, empresas da Serra também importam dos EUA uma variedade de itens ligados à tecnologia e automação industrial, como equipamentos eletroeletrônicos, geradores, transmissores e semicondutores, utilizados em linhas de produção, painéis elétricos e sistemas de controle. Com o encarecimento desses componentes ou eventuais entraves logísticos, projetos de modernização industrial podem se tornar inviáveis ou mais caros.
O clima de revanchismo não atende aos interesses da Serra, pois só agrava um cenário que já é bastante preocupante. Entre as teses mais sensatas está a busca por ganhar tempo para que as negociações em curso avancem. Para isso, setores da economia brasileira — e o próprio governo — têm apostado não apenas no diálogo institucional, mas também em uma pressão política interna, envolvendo grupos econômicos dos Estados Unidos que também serão impactados pelas tarifas sobre os produtos brasileiros. São setores interligados há décadas, como o agronegócio brasileiro e a indústria de base, que compartilham interesses e podem atuar como aliados na defesa de um ambiente comercial menos hostil.

