Depois de alguns anos de estabilidade política, a Câmara da Serra vive dias de turbulência. Desta vez, aguarda-se uma decisão judicial que pode provocar novas alterações na atual conjuntura política. O processo investiga uma suposta fraude na cota de gênero em chapas de quatro partidos durante a eleição de 2024 e, a depender do resultado, pode novamente ter repercussões diretas no comando do Legislativo municipal.
A legislação determina que, no mínimo, 30% das candidaturas de cada partido sejam destinadas a um dos gêneros — regra que, na prática, busca garantir maior participação feminina na política. Contudo, para cumprir essa exigência, alguns partidos lançam candidaturas fictícias — as chamadas “candidaturas laranjas” — criadas apenas para preencher a cota, sem real intenção de disputar o pleito.
É justamente isso que está em análise na Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) movida pelo PT, que questiona a composição das chapas do União Brasil, Rede, PSD e PSDB. Esses quatro partidos somam cinco vereadores: William Miranda (União Brasil), Wellington Alemão (Rede), Pequeno do Gás (PSD), Rafael Estrela do Mar e Leandro Ferraço (ambos do PSDB). Caso a Justiça reconheça fraude na cota de gênero em alguma (ou todas) dessas chapas, elas podem ser cassadas e novos postulantes empossados.
Justiça pode emitir decisão a qualquer momento
Esse é um processo já conhecido no meio político da Serra. A novidade é que, na noite de ontem (terça-feira, 30), o Ministério Público Eleitoral (MPE) se manifestou nos autos, o que abre caminho para que a Justiça possa tomar uma decisão a qualquer momento.
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No parecer, o Ministério Público se posicionou contra a cassação das chapas, argumentando que a ação deveria ter sido proposta pela Federação Brasil da Esperança — que reúne PT, PCdoB e PV — e não isoladamente pelo PT. Em outras palavras, apontou um possível vício processual. Em nota, o PT da Serra afirmou que, diante desse entendimento, já ingressou com pedido de desistência da ação, solicitando à Justiça Eleitoral que transfira a titularidade da investigação para o próprio Ministério Público, incluindo-o no polo ativo do processo:
“Entendemos também que o momento processual é de julgamento do mérito da causa, e não de questionamento de rito ou de questões preliminares que já se consolidaram ao longo do processo. Cabe agora ao Ministério Público se manifestar quanto ao mérito e não reabrir discussões formais que já foram superadas pela estabilidade do processo. A medida tomada pelo Partido dos Trabalhadores visa garantir a continuidade das apurações sobre o possível descumprimento da legislação eleitoral relativa à cota de gênero”, disse em nota o presidente PT Serra, Miguel Júnior.
Para todos os efeitos, o Ministério Público não entrou no mérito da suposta fraude na cota de gênero. Assim, a Justiça segue apta a decidir tanto sobre a validade do processo quanto sobre a eventual cassação das chapas.
Presidente substituto está entre os envolvidos
Eis que entram os cenários. Na leitura interna da política da Serra, há uma corrente majoritária que vê maior fragilidade na situação do União Brasil, Rede e PSD. Caso a Justiça decida pela cassação dessas chapas, perderiam os mandatos William Miranda, Wellington Alemão e Pequeno do Gás. Em contrapartida, os cálculos apontam que, entre os possíveis beneficiados pela ação movida pelo PT, estariam a ex-vereadora Eucimara Loureiro (PT) e, paradoxalmente, o Sargento Maurício, do PL de Bolsonaro.
O problema é que a Câmara já atravessa um momento de tensões internas, desencadeadas pelo afastamento cautelar de quatro vereadores ocorrido na semana passada, entre eles o então presidente Saulinho da Academia. Em seu lugar, assumiu o primeiro vice-presidente, William Miranda, justamente um dos que estão na mira do processo movido pelo PT, que acusa a chapa que o elegeu de fraude eleitoral.
Na prática, a situação de William Miranda, que atualmente preside a Câmara, é de grande instabilidade jurídica. Isso porque, além do processo em curso, seu partido — o União Brasil — responde sozinho a outra ação movida pelo próprio Ministério Público Eleitoral, também sob suspeita de fraude na cota de gênero. Portanto, são dois processos que podem cassar o mandato do presidente substituto.
Ou seja, uma questão que até então se restringia ao campo eleitoral ganhou uma dimensão política ainda maior, já que entre as hipóteses em análise está a abertura de uma nova vacância na presidência da Câmara da Serra — caso a chapa do União Brasil seja cassada —, o que adicionaria mais um fator de instabilidade jurídica e política, cujas repercussões ainda não estão claras.

