Fraude de R$ 18 milhões: MP denuncia ex-presidentes da Câmara da Serra por esquema milionário

Ex-presidentes da Câmara da Serra foram denunciados por esquema de fraude milionária em contratos.
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Crédito: Arquivo Tempo Novo

O Ministério Público do Espírito Santo (MPES), por meio da 13ª Promotoria de Justiça Cível de Serra, ingressou com uma Ação Civil Pública de Ressarcimento por Dano ao Erário contra os ex-presidentes da Câmara Municipal da Serra Rodrigo Márcio Caldeira (Republicanos) e Neidia Maura Pimentel (sem partido), além de servidores e empresários. A denúncia aponta que um esquema de fraudes em licitações desviou cerca de R$ 18 milhões dos cofres públicos e pede que os acusados devolvam integralmente o valor.

A ação foi assinada pela promotora de Justiça Maria Clara Mendonça Perim, responsável pelo caso. Segundo ela, os contratos e aditivos comprovam um modelo de desvio planejado e continuado. O Portal Tempo Novo teve acesso ao documento, que contém 352 páginas.

“As apurações revelaram condutas dolosas, praticadas com má-fé, com o objetivo deliberado de fraudar certames e desviar recursos da Câmara Municipal. A recomposição do dano é imprescindível para resguardar o patrimônio público”, destacou a promotora.

Um esquema que atravessou gestões

De acordo com a denúncia, o esquema começou em 2009, na gestão do então presidente Raul Cezar Nunes, e se perpetuou nas administrações seguintes, incluindo os mandatos de Neidia Pimentel e Rodrigo Caldeira. 

O modelo repetia-se: licitações eram abertas apenas para dar aparência de legalidade, mas já havia acordo prévio sobre a empresa vencedora.

O empresário Júlio Cezar Barbosa foi apontado como figura central no esquema, atuando como sócio oculto de diversas empresas que, formalmente, concorriam entre si. Entre elas:

  • Servinorte Serviços Ltda.
  • Servibrás Serviços
  • Serge Serviços de Conservação e Limpeza Ltda.
  • Servimar Serviços e Conservação Ltda.

Essas empresas eram utilizadas para simular concorrência, quando na prática pertenciam ao mesmo grupo econômico.

Neidia Maura Pimentel é ex-vereadora da Serra e comandou a Câmara Municipal por dois mandatos consecutivos na presidência. Ela perdeu o mandato parlamentar após ser acusada de prática de peculato e de realizar o chamado “rachid” – apropriação indevida de parte do salário de servidores. Neidia foi condenada pela Justiça.

Já Rodrigo Caldeira continua exercendo o cargo de vereador na Câmara da Serra. Ao longo da trajetória política, ele já ocupou a presidência e a vice-presidência da Mesa Diretora em diferentes períodos.

Contratos e aditivos irregulares

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Neidia é ex-vereadora da Câmara da Serra. Crédito: Divulgação

O Pregão Presencial nº 06/2013 e o Contrato nº 003/2014, firmado entre a Câmara e a Servinorte Serviços Ltda., estão no centro da denúncia. O contrato, para terceirização de mão de obra administrativa, recebeu oito aditivos entre 2015 e 2019, que aumentaram prazos e valores de forma considerada ilegal pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-ES).

As principais irregularidades foram:

  • sobrepreço a partir de pesquisas de preços “fabricadas”;
  • aumento injustificado de postos de trabalho, principalmente telefonistas;
  • prorrogações excepcionais, provocadas por atrasos intencionais em novas licitações;
  • orçamentos simulados apresentados por empresas controladas por Júlio Cezar Barbosa.

Prejuízo de R$ 18 milhões

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Vereador e ex-presidente da Câmara, Rodrigo Caldeira. Crédito: Divulgação

O Ministério Público aponta que as fraudes movimentaram cerca de R$ 18 milhões em prejuízo ao erário. O valor foi apurado pelo Tribunal de Contas e considera os contratos e aditivos fraudulentos firmados ao longo dos anos.

Além das perdas financeiras, a promotoria destacou que as terceirizações também eram usadas com fins políticos, já que empresas contratadas indicavam funcionários, ampliando a influência político-eleitoral dentro da Câmara.

O que pede o Ministério Público

Na ação, o MP requer:

  • ressarcimento integral dos R$ 18 milhões desviados;
  • reconhecimento de atos dolosos de improbidade administrativa;
  • responsabilização dos réus, com possíveis penas como perda da função pública, suspensão de direitos políticos e multa civil.

O órgão cita ainda decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que o ressarcimento ao erário em casos de dolo é imprescritível, ou seja, pode ser exigido a qualquer tempo.

Continuidade do esquema na Câmara da Serra

Mesmo após ações anteriores, o esquema se manteve ativo até 2023, quando expirou o último contrato com a Servinorte. Para a promotora Maria Clara Mendonça Perim, trata-se de um “esquema estruturado, mantido ao longo de diferentes gestões, em que cada um dos envolvidos desempenhou papel ativo para frustrar a competitividade e garantir o desvio de recursos”.

Com o ajuizamento da ação, o caso passa a tramitar na 1ª Vara da Fazenda Pública Municipal, Estadual, Registros Públicos e Meio Ambiente da Serra. O juiz responsável analisará a petição inicial e poderá determinar a citação dos acusados para apresentarem defesa.

O que dizem os acusados?

A reportagem entrou em contato com o vereador Rodrigo Caldeira, a ex-vereadora Neidia Pimentel e o empresário citado na denúncia. Até o momento, apenas Rodrigo Caldeira se manifestou.

Em nota, o ex-presidente da Câmara declarou que não é acusado de corrupção e que seu nome aparece apenas de forma indireta nas 350 páginas do processo envolvendo várias pessoas e empresas. Caldeira explica ainda que, ao assumir a presidência da Câmara, encontrou diversos contratos com problemas.

“Um desses contratos a qual sou acusado de omissão, por não o ter revisado especificamente, já existia há bastante tempo na Câmara. E o que eu fiz não foi aumentar gasto, pelo contrário: eu reduzi esse contrato em cerca de R$ 150 mil, justamente para economizar para a Câmara”, explica em nota.

O vereador defendeu sua gestão, afirmando que sempre assinou documentos com responsabilidade e nunca foi omisso. “Deixo claro que nunca fui omisso. Assinei documentos como qualquer presidente faz, mas sempre com responsabilidade. Mantive a empresa citada no processo porque ela já prestava serviço há anos, e a Câmara não podia parar de funcionar”, disse.

Caldeira completou falando sobre sua gestão. “A verdade é que a minha gestão sempre foi marcada por seriedade e compromisso. Eu confio na Justiça e sei que tudo será esclarecido”, completou.

O espaço segue aberto para que Neidia Pimentel e o empresário citado apresentem suas versões.

Foto de Gabriel Almeida

Gabriel Almeida

Jornalista há 11 anos, Gabriel Almeida é editor-chefe do Portal Tempo Novo. Atua diretamente na produção e curadoria do conteúdo, além de assinar reportagens sobre os principais acontecimentos da cidade da Serra e temas de interesse público estadual.

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