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João Clímaco: intelectual e renomado padre da Serra, único a defender os heróis do Queimado

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Imagem fotográfica mais antiga da Freguesia do Queimado, datada de 1875, somente 26 anos depois da Insurreição do Queimado, Serra e 76 anos depois do nascimento de Jão Clímaco. Foto de Albert Richard Dietze. Publicada no livro Memória Fotográfica da Serra de Paulo de Barros.

A Insurreição do Queimado foi um levante libertário do qual mais de 300 pessoas escravizadas foram partícipes. Conflagrada no dia 19 de março na freguesia do Queimado, na Serra, o ato é considerado um dos marcos históricos mais expressivos pelo fim da escravidão no país. Os protagonistas foram os negros submetidos a um dos sistemas mais bárbaros já registrados no ocidente na era da Idade Contemporânea: a escravidão brasileira.

Muitos foram às pessoas que decidiram se levantar para dizer ‘basta’, no entanto, alguns deles ficaram marcados para sempre na história: Elisiário, que foi o responsável intelectual do levante e Chico Prego (que já teve sua trajetória esmiuçada pelo ‘Histórias da Serra’),que figura entre os líderes do movimento. Chico é o símbolo heróico e o mártir da Insurreição, que foi enforcado e mutilado pelo carrasco no local onde hoje é a praça Almirante Tamandaré, em Serra Sede.

O ‘Histórias da Serra’ reforça ao leitor que, se for do interesse, basta clicar no hiperlink acima, para conhecer com mais detalhes esse destacado episódio do ES. Essa ressalva é importante, pois, dos fatos subsequentes à Insurreição do Queimado, muitas outras personalidades emergiram para a história capixaba. Dentre as quais o protagonista da vez: Padre João Clímaco.

Foi este fazendeiro, padre, advogado e intelectual da época a se dispor como o único defensor dos acusados de participar da Insurreição do Queimado – julgados no dia 31 de maio de 1849. A importância do Padre Dr. João Clímaco tomou um caráter histórico retumbante em vista desse fato brevemente narrado e esmiuçado nos parágrafos abaixo; mas a proposta desse texto é abranger as demais façanhas desse ilustre serrano do período imperial brasileiro.

Nota: Existe certa divergência quanto ao número de pessoas escravizadas que figuraram no banco dos réus (pois os documentos oficiais foram extraviados anos depois); entretanto a reportagem irá se apegar ao registro publicado pelo jornal Correio de Vitória à época dos fatos – e acessado através da Biblioteca Nacional Digital. Portanto, contabilizando 36 escravizados, dos quais o padre João Clímaco conseguiu a absolvição de seis deles.

Um grande intelectual da época, respeitado e reconhecido

Pintura de Valter Assis (in memorian) da antiga vila de São José do Queimado, que foi palco da revolta dos escravos. Foto: Arquivo TN

João Clímaco de Alvarenga Rangel, nasceu em 30 de março de 1799, na Vila de São José do Queimado, na época pertencente a Vitória, hoje ao Município da Serra (Zona Rural). Foi um professor proeminente, renomado orador, inclusive sacro (título recebido pela sua importância religiosa), e deixou variada produção literária, em que se destaca a de natureza poética.

Nascido em uma família bem abastada e muito influente, João Clímaco era filho do sargento mor Antônio de Alvarenga Rangel e de Paula Nunes dos Santos.

Ele lecionou Filosofia e Latim em vários colégios, especialmente no Liceu Provincial, em que também exerceu a função de diretor. Na época o Liceu era o colégio mais importante do Espírito Santo e recebia grande expectativa por parte do Governo Provincial no aprimoramento intelectual dos jovens. Foi na gestão de dr. João Clímaco que a primeira biblioteca pública foi criada no estado, em 16 de julho de 1855.

Patrono da Cadeira n° 03 da Academia Espírito Santense de Letras, do qual possui o patrocínio perpétuo, o padre faleceu aos 67 anos de idade, em 23 de junho de 1866, na cidade do Rio de Janeiro.

‘Escravocrata esclarecido’ ou um ‘percursor do abolicionismo’?

A então vila do Queimado ficava situada às margens do Rio Santa Maria da Vitória (que hoje abastece ¾ da Serra). Era um ponto de parada para as pessoas que iam e vinham entre Vitória e o interior do estado, para negociar as sacas de produção agrícolas. O padre João Clímaco é do tempo de ‘ouro’ do Queimado, muito antes das estradas (em especial a Estrada de Ferro Vitória Minas – EFVM) serem abertas e o local perder a importância estratégica, até ser esvaziado.

Era lá no Queimado que a família de João Clímaco tinha grandes propriedades de terra, e apesar de ter entrado para a história como um percussor do movimento abolicionista, nas fazendas da família era utilizada a mão de obra escravizada.

Aqui, há um contrassenso óbvio. Diferente de maioria esmagadora dos latifundiários que empregavam castigos brutais às pessoas escravizadas, João Clímaco era um ‘senhor’ tido como humanístico para a cultura da época. O renomado escritor capixaba, Afonso Cláudio (que também já teve sua trajetória contada pelos ‘Histórias da Serra’), narra que na fazendo de João Clímaco, todos andavam livremente, tinham rotina de trabalhadores e eram bem tratados.

O padre morreu em 1866, somente a partir da década de 1870, o ativismo pela abolição da escravatura começou a ganhar mais força no país. No entanto vale a ressalva: as diferenças no tratamento, no convívio e a cultura da época não eliminam o fato objetivo de que João Clímaco foi também um latifundiário ‘dono de escravos’ em sua época, sistema que vigorou no Brasil Colonial e na esmagadora parte da era Imperial.

Por isso fica aqui uma pergunta imprescindível para manutenção da criticidade do texto: assim como houveram os ‘despostas esclarecidos’ na Europa do século XVIII, seria João Clímaco uma espécie de escravocrata esclarecido’ ou um ‘percursor do abolicionismo’? Essa pergunta caberá ao leitor respondê-la da maneira que achar mais adequada. Feita a questão, seguimos sobre a vida desse renomado serrano e capixaba.

Vocação religiosa aflorou em João Clímaco desde muito jovem

José Caetano da Silva Coutinho (foto), conhecido como Bispo Capelão-Mór, foi quem deu a João Clímaco quarto grau de ordem sacerdotal. Crédito: divulgação.

João Clímaco desde muito cedo apresentou enorme vocação sacerdotal e intelecto. Em 05/12/1819, com apenas 20 anos, João Clímaco recebeu o quarto grau de ordem sacerdotal, dado pessoalmente pelo bispo Dom José Caetano da Silva Coutinho, que veio do Rio de Janeiro para o Espírito Santo e estava na Vila de Nova Almeida. Em 8 de maio de 1822, aos 23 anos de idade, já estudante, recebeu no Rio de Janeiro as Ordens Sacras (rito de admissão do qual o aspirante manifesta publicamente sua vontade de se doar a Deus).

Já sendo um renomado religioso, o padre João Clímaco graduou-se em bacharel em Direito, título conferido pela Universidade de Coimbra (Portugal). Durante o período de estudos, em Coimbra, numa antecipação do que conquistaria no futuro, foi eleito para as Cartas Constituintes de Lisboa. Seu curso foi concluído na Universidade de São Paulo, em outubro de 1833.

‘Deputado estadual e federal’ ao mesmo tempo

Antigo prédio da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, na Cidade Alta. Foto adquirida de Rui de Oliveira/IJSN. Sem data.

No mesmo ano, em 1833, quando ainda terminava seu Curso Jurídico, em São Paulo, Clímaco elegeu-se deputado para a terceira legislatura (1834-1837) da Assembleia Geral Legislativa do Império do Brasil, exercendo o mandato na Corte (Rio de Janeiro). Atualmente esse cargo equivaleria a um deputado federal.

Com a criação das Assembleias Provinciais, pelo Ato Adicional de 12/08/1834, candidatou-se a deputado da Assembleia da Província do Espírito Santo e foi eleito. Esse cargo se assemelharia a de um deputado estadual. Acumulou os dois mandatos (o imperial no Rio e o provincial em Vitória) de 1835 a 1837.

Em 01/02/1835, a Assembleia Provincial capixaba começou a funcionar e João Clímaco foi seu primeiro presidente, pois já havia sido eleito para presidir os trabalhos das duas sessões preparatórias.

Completada essa experiência, Clímaco também foi vice-presidente da Província do Espírito Santo. Clímaco foi defensor de pautas pouco engajadas pelas elites da época, como o combate ao tráfico negreiro, que durante o período escravocrata brasileiro trouxe milhões de africanos forçadamente para o Brasil (proibido desde 1831, pela Lei Feijó, mas que a história registra profundo desdém por parte das correntes escravistas).

Em seguida, abandonou a vida parlamentar, em que tinha se notabilizado. Angustiado e desiludido, retirou-se para sua fazenda, no Perau, pertencente à freguesia do Queimado.

Mas a vida não lhe aguardava desafios menores do que em seu tempo como político, pois anos depois, ele seria o único a defender os escravizados que em um ato heróico se insurgiriam na Serra. Mas antes, um adendo:

Discurso histórico para a primeira Assembleia do ES

Padre dr. João Clímaco, como espetacular orador que era, foi o responsável pelo primeiro discurso quando foi instalada a Assembleia Provincial no Espírito Santo. O historiador da Serra, Clério Borges caracterizou Padre João Clímaco como uma das maiores “importâncias políticas, sociais e religiosas do ES” de todas as épocas.

“Quando assumia o púlpito da igreja ou a tribuna da Assembleia, ele encantava a todos, tinha uma habilidade para conciliar os divergentes e avançar nas pautas em debate, abrindo caminhos para que se chegassem às realizações, era um ponto de conciliação entre todos”, disse o historiador durante uma entrevista para a TV Assembleia, em 2010.

A título de registro histórico, em sua edição de número 110 datado de 14 de setembro de 1875, o Jornal ‘O Espírito-Santense’ reproduziu na íntegra o discurso feito pelo dr. João Clímaco em  1834 na igreja paroquial de Vitória, durante a missa que antecederia a eleição. Na chamada que remetida para a íntegra da publicação o Jornal dizia:

“Chamamos a atenção dos nossos leitores, para a publicação do discurso recitado no colégio eleitoral em 1834, quando se criou a Assembleia Provincial, e que se fez a primeira eleição de deputados por essa província, recitado pelo inteligente espírito-santense, Padre Dr. João Clímaco de Alvarenga Rangel, uma das glórias científicas desta província. Desconhecido este discurso por quase todos os filhos desta província, o damos a luz, conservando em nosso poder o próprio autógrafo, que foi cedido por um amigo, e que é escrito e assinado pelo próprio autor”.

Vale ressaltar que o ‘Histórias da Serra’ atualizou apenas alguns termos utilizados na nota, para dar mais didatismo ao leitor.

Nota: A primeira Assembleia Provincial era constituída de 20 membros sendo cinco padres (entre eles João Clímaco) e 15 civis; o padre serrano era tido como o mais importante dentre todos eles. Tanto é que viria a presidir os trabalhos.

Em seu discurso histórico, Dr. João Clímaco disse que o eleitor capixaba deveria se guiar pelo “mais sublime e eminente ato da soberania do povo, e onde deve certamente patentear-se aquele patriotismo, e espírito nacional, sem o qual não pode jamais coexistir liberdade e prosperidade nos Estados”.

Orientou também que o voto deveria ser dado a “varões sábios e prudentes”, “fiéis e cultores da verdade” e contra a “avareza e ambições pessoais”. Destacou também o “espírito nacional” e o “patriotismo como valores fundamentais na tarefa de governar o país e estabelecer boas leis”.

João Clímaco também fez críticas, o que hoje se chama política de grupos. Na época, ele usou o termo “fação”, que iam contra os “interesses do bem público”. Ele ainda argumentou que os cargos públicos fossem ocupados por pessoas com capacidade intelectual de exercer a função.

Muito culto, padre dr. João Clímaco citou os gregos Eurípedes e Sólon, o Conde de Laly-Tolendal, da Câmara dos Pares da Inglaterra, e os franceses Mirabeau e Madame de Stael. Também utilizou citações em latim (disciplina que iria lecionar anos depois) que deram o tom religioso ao discurso.

Não paira dúvidas de que o discurso feito por João Clímaco de Alvarenga Rangel é um dos marcos históricos no processo eleitoral do Brasil, em especial naquelas primeiras experiências do gênero realizadas ainda no início da era Imperial. Aqui, cabe um agradecimento ao Jornal ‘O Espírito-Santense’ que 41 anos, conseguiu reproduzir na íntegra o discurso do padre. Além disso, a reportagem tomou como norte o artigo publicado na Revista Cantareira, 35ª ed. Jul. – Dezembro de 2021, assinado por Kátia Sausen da Motta e Marcos Antonio Briel, que apontou os elementos principais presentes no discurso de Clímaco.

Advogado dos heróis escravizados da Insurreição do Queimado

Escravos foram condenados a até 1.000 açoites em praça pública. Ilustração: arquivo nacional

Como advogado, Dr. João Clímaco se destacou na defesa dos escravos que foram presos por terem participado da Insurreição do Queimado, episódio que está gravado para sempre nas páginas da história do Espírito Santo. Motivados por uma promessa de liberdade não cumprida feita pelo Frei Gregório de Bene, cerca de 300 negros escravizados se insurgiram em 19 de março de 1849, após construírem a Igreja do Queimado.

Para impedir que o espírito de revolução se espalhasse por toda a província do Espírito Santo, o Governo do presidente provincial Antônio José Siqueira promoveu uma duríssima repressão, que vitimou muitos escravizados ao léu da lei e da moralidade mesmo para os parâmetros culturais da época.

Entre os negros escravizados que participaram do movimento, dois deles tinham especial relacionamento com o padre João Clímaco. Carlos, que ‘pertencia’ ao religioso, tido como um dos chefes do movimento; e Elisiário, o verdadeiro arquiteto intelectual da Insurreição, que pertencia ao irmão de João Clímaco. Carlos e Elisiário foram condenados à forca, mas conseguiram fugir.

No livro a ‘Insurreição do Queimado – Episódio da história da província do Espírito Santo’, escrito pelo ilustre capixaba Afonso Cláudio (que já teve sua trajetória e importância para a Serra, contada pela coluna Histórias da Serra), escrito originalmente em 1884, o capixaba narra a importância do padre João Clímaco durante o processo.

Inclusive, muitos historiadores atribuem a Carlos a autoria dos principais relatos utilizados por Afonso Cláudio em seu livro, que é a literatura base para todas as obras subsequentes a Insurreição. Após fugir da prisão, no final de 1849, Carlos se abrigou na fazenda do seu ‘senhor’, João Clímaco (que lhe deu guarita contra as incursões policiais até que Clímaco falecesse).

Chefe das guerrilhas invade propriedade de Clímaco para caçar insurgentes

Na Serra, Chico Prego ganhou uma estátua (2006) confeccionada pelo artista Genésio Jacob Kuster (conhecido como Tute) e restaurada em 2021.

Afonso Cláudio narra que Elisiário era um homem escravizado que possui notável intelectualidade e liderança sobre os demais. Tais características teriam sido influencias diretas de Clímaco na formação de Elisiário.

Após arquitetar o golpe no dia 19 de março de 1849, os insurgentes se espalharam nos dias seguintes diante da forte repressão provincial. Responsável pela ‘caçada’, estava o odioso e cruel Antônio das Neves Teixeira Pinto. Segundo narra Afonso Cláudio, este cidadão teria se dirigido a fazenda de nome Perau, de propriedade de João Clímaco.

Em nome da autoridade policial, Das Neves teria exigido a entrega dos insurgentes, sob pena de utilizar a força. Clímaco ainda teria tentado conter o chefe de guerrilhas, pacificamente, argumentando que na casa haveria apenas homens e mulheres cativos da propriedade e que não teriam tido influência alguma no movimento.

Mesmo assim, os perseguidores foram implacáveis e invadiram a residência de Clímaco. Naquele momento, narra o escritor, um “escravo alheio ao movimento insurrecionário”, com medo das atrocidades que Antônio Pinto das Neves poderia infligir a ele mesmo não tendo participado da revolta, teria cometido suicídio com um tiro de espingarda.

Afonso Cláudio ainda revela que nem esse fato absolutamente lamentável deixou o chefe das guerrilhas satisfeito. Ele teria pegado “quantos escravos pôde capturar, trucidou-os e pôs-se em marcha”. Antônio Pinto das Neves queria um insurgente em especial: Carlos. Pelo fato de não ter o encontrado na propriedade de Clímaco, o caçador dos ‘negros rebeldes’ foi até as fazendas dos irmãos de João Clímaco; e lá teria aprisionado não só Carlos, como Elisiário e João Pequeno. Estes três, ao lado de João da Viúva e Chico Prego foram classificados pelas autoridades como líderes da Insurreição.

Ao todo, Afonso Cláudio cita três insurgentes que pertenciam diretamente a João Clímaco: 1 – Carlos, um dos chefes do movimento, condenado a forca. Ele fugiu da prisão em 07 de dezembro de 1849. Refugiou-se na fazenda de João Clímaco, com quem viveu até a morte do padre. Após isso, Carlos teria tido uma vida nômade.

2 – João Francisco, caracterizado por Afonso Cláudio como “velho escravo do padre João Clímaco”. Ele foi morto pelas tropas provinciais um dia depois da Insurreição ser conflagrada. A morte ocorreu no “rio Uruaba”, entende-se por Aroaba, hoje região rural da Serra próximo ao sítio histórico de Queimado. O chefe de polícia José Cesário Varela da França batalhou com Chico Prego, saindo o chefe de polícia ferido e o insurgente João Francisco morto.

3 – Cândido, que é tratado em um requerimento de julho de 1849, assinado pelo próprio João Clímaco. Afonso Cláudio não detalha o fim que Cândido teve.

Julgamento: Clímaco conseguiu livrar seis da forca e dos açoites

Tela de Antônio César Campos Tackla retratando a execução dos líderes da revolta do Queimado. Foto: Divulgação/Levi Basílio

Depois de conflagrada e duramente reprimida, a sociedade escravagista da época cobrava a punição daqueles escravizados que tiveram a ‘sorte’ (ou azar?) de saírem vivos da insurgência. Ao todo, 36 deles estavam presos e aguardavam pelo julgamento, que na época, não seria nada além de um tribunal de inquisição.

Clímaco surpreendeu a todos após se declarar advogado dos insurgentes, pois, ninguém na época tinha a coragem de defendê-los. As semanas se passaram e foi então composto o tribunal, o presidente era o juiz de direito dr. Accioli de Vasconcelos (ex-presidente da província do ES de 1824-1829).

A acusação ficou sob o cargo do promotor público Manoel Moraes Coutinho. O escritor Afonso Cláudio narra que a defesa “foi brilhantemente desenvolvida pelo advogado dr. João Clímaco de Alvarenga Rangel”, que concluiu pedindo a absolvição dos 36 acusados e a punição de frei Gregório, como único responsável pelos acontecimentos por ter enganado os insurgentes com a promessa de liberdade e insuflado a revolta.

O processo durou três dias e foram absolvidos seis dos insurgentes; cinco foram condenados à morte e 25 negros a açoites que variaram de mil a trezentos – o que na prática, também equivale a pena de morte, mas sem a simbologia da forca, que carrega consigo a mensagem do ‘exemplo’. Clímaco ainda tentou recorrer, mas os açoites foram executados em praça pública antes mesmo que a justiça desse andamento ao pedido do padre.

Importância de Clímaco no movimento abolicionista capixaba

O livro escrito por Afonso Cláudio, publicado 35 anos depois da Insurreição, foi uma das odes abolicionistas que esquentaram os debates no final do Brasil Imperial. Clímaco foi visto pelas elites intelectuais capixabas como um pioneiro do movimento, uma espécie de precursor, quando esse debate ainda estava sufocado pelo forte sistema escravocrata das décadas anteriores.

Intelectuais abolicionistas entendiam que João Clímaco sofreu uma espécie de esquecimento, como forma de retaliação pela luta em favor dos heróis do Queimado, além da defesa das pautas contra o tráfico negreiro que já estava muito forte a época de Clímaco.

Nota: A título histórico carece lembrar que a Lei Feijó foi instituída em 1831; ela proibia o tráfico negreiro (época em que Clímaco estudava direito e viria a se tornar ‘deputado estadual e federal’). No entanto, não funcionou na prática. Até que em 1850 (um ano depois da Insurreição do Queimado), foi instituída a Lei Eusébio de Queirós que previa punição a quem descumprisse a norma. Nos anos seguintes, o Império Brasileiro passou a combater com mais veemência a prática diante do risco de conflitos com a Inglaterra.

Diretor de uma das escolas mais importantes de Vitória e fundador da primeira biblioteca pública

Liceu e Biblioteca Pública na cidade de Vitória. Foto de Joaquim Ayres, entre 1880 e 1889

A partir de 1854, João Clímaco ocupou a direção e o magistério no Liceu da Vitória, inaugurado no mesmo ano na Capital da província. No dia 12 de abril de 1854 o Jornal Correio de Vitória registrou a seguinte nota: “Consta-nos, que se acham nomeados o Sr. Dr. João Climaco d’Alvarenga Rangel, para professor interino de filosofia racional, moral do Liceu da Vitória, e seu diretor”. (Novamente o ‘Histórias da Serra’ atualizou termos em nome da didática jornalística).

O Liceu da Vitória foi um importante colégio criado pela Província com objetivo de melhorar os índices educacionais do Espírito Santo. A província era vista pelo Império como um lugar pobre de intelecto e atrasado em termos de cultura e arte. Pela falta de infraestrutura e de acesso viário o Liceu sofreu muito para se firmar.

O jornal Correio de Vitória, do dia 15 de março de 1856 registra uma nota de várias subsequentes, que pedia ao presidente da província recursos para ajudar na manutenção da escola, criticava a falta de interesse dos pais na educação dos filhos e a má remuneração oferecida aos professores. Além disso, exaltava a direção sob o comando de dr. João Clímaco, que a muito custo mantinha o local em funcionamento.

A primeira biblioteca pública do ES foi aberta na gestão do padre serrano a frente do Liceu. Ocorreu em 16 de julho de 1855 e foi extinta em 1872 por falta de investimento.

Morte de Clímaco e nome de praça que está na História do ES

Praça João Clímaco. Foto de Isair Isidoro Maifred. Vitória ES 1977

A vida e a obra de dr. João Clímaco foram pesquisadas por Afonso Cláudio de Freitas, que, em 1902, publicou “Biografia do Dr. João Clímaco”, pela Tipografia do Instituto Profissional, do Rio de Janeiro. Nela, ele critica o esquecimento em que a sociedade capixaba relegou João Clímaco. Palavras do biógrafo:

“Seus cantos patrióticos, seus hinos à amizade e às crianças, seus trenos aos desalentados da vida, impreterivelmente, são subjetivistas; são antes transportes dos estados do espírito, sínteses psicológicas, do que transmissão de impressões recebidas do contato externo. Falta-lhes a nota popular, a expressão de viver das massas anônimas, suas aspirações e tendências. Falta-lhes, ainda, o sainete lirista inerente ao ambiente brasileiro, o vigor do colorido nativista. Daí o esquecimento em que caiu o poeta para os seus conterrâneos, cuja única consagração póstuma consistiu em lhe darem o nome a uma das praças de sua cidade-capital, onde o poeta teve a residência e o berço.”

A praça citada por Afonso Cláudio fica num dos locais mais nobres da Capital Capixaba, na Cidade Alta, e foi o coração político, administrativo e literário do Estado durante muito tempo. A Praça João Clímaco é testemunha da História do Espírito Santo, participa da formação do Estado desde o início, já que em seu entorno estão: o Palácio Anchieta (começou a ser construído em julho de 1551, para ser o Colégio São Thiago, dos jesuítas, e foi sede do Governo do Estado até 2004); o primeiro Palácio Domingos Martins, sede da Assembleia Legislativa, da época da Proclamação da República (O atual prédio da Assembleia Legislativa foi transferido para a Enseada do Suá em 2000); as sedes da Academia Espírito Santense de Letras e do Instituto dos Advogados do Espírito Santo.

O local chamava-se Afonso Brás desde o início da colonização do solo espírito-santense, no entanto, em agosto de 1883, a Câmara Municipal de Vitória mudou o nome para Praça João Clímaco, através de projeto criado pelos vereadores Passos Costa Junior e Moniz Freire.

Afonso Cláudio no livro ‘História da Literatura Espírito-Santense’ de 1912 faz uma análise de João Clímaco sob a perspectiva literária e poética. (Texto adaptado pela Coluna)

“Nasceu na vila da Serra e passou a infância no interior da província, onde seu pai era fazendeiro (em Queimado). Na capital da província (Vitória), o padre Clímaco foi professor de filosofia e Direito do Liceu, deputado e vice-presidente, havendo sido eleito deputado geral em 1833, quando ainda estudava o curso de jurídico; desses cargos retirou-se enfastiado á vida privada, abandonando de vez a política, em que aliás gastou os melhores anos do seu vigor intelectual. Classicista como outros intelectuais do seu tempo, foi da poesia subjetivista. Ao contrário do padre Duarte, seus versos são reproduções do que lhe vai pelo interior d’alma, ora conturbado pelo misticismo religioso, como Domingos de Caldas, ora ressentido pelas perfídias e cavilações que o tinham chocado na cena política”, narrou.

A política absorvente do segundo reinado, desviou Clímaco dos seus propósitos literários para as lides eleitorais; parece que, porém, abandonou-a sem saudades, amargurado e… emendado, porque não voltou nunca mais”.

João Clímaco é o Patrono da Cadeira n° 03 da Academia Espírito Santense de Letras, do qual possuiu o patrocínio perpétuo. Ele faleceu aos 67 anos de idade, em 23 de junho de 1866, na cidade do Rio de Janeiro.

Infelizmente não pode ver a Lei Áurea ser instituída em 1888 e nem a Proclamação da República em 1889. Mas foi sem dúvida um dos grandes serranos que já andaram por essas terras. João Clímaco foi de uma época onde a escravidão era a normalidade, foi dono de pessoas escravizadas, mas entrou para a história como o único a defender os valentes e heróis insurgentes do Queimado. E só pode fazê-lo porque era respeitado e admirado em sua época. Ficou desiludido com a política, como tantos brasileiros dos dias atuais, mas foi também professor e sofreu na pele as dificuldades de exercer o ofício em um Brasil que nunca valorizou a Educação.

Fontes e referências: Além de todas as fontes citadas nominalmente durante o texto – tanto escritores/historiadores como livros – essa reportagem se baseou em vasto registro jornalístico dos Jornais ‘O Correio de Vitória’ e ‘O Espírito-Santense’. Além disso, utilizou como base a edição 950 do jornal Tempo Novo, que publicou um episódio da Coletânea ‘Protagonistas da Serra’, escrito por Maurilen de Paulo Cruz.

 

Se aprofundou também nas informações do Arquivo Público do Espírito Santo e do Instituto Jones Santos Neves. A Biografia do Dr. João Clímaco (1902) de Afonso Cláudio; e a edição comemorativa do livro ‘Insurreição Do Queimado’, do mesmo autor, publicado 1999 em alusão aos 150 anos do ocorrido. Também foram consultados os livros “Patronos da Academia de Letras e Artes da Serra-Aleas”, Serra, 2005 e “Patronos & Acadêmicos – Academia Espírito-Santense de Letras”, 3ª edição, Vitória, 2010.

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