O termo “incel” recentemente extrapolou a cultura de internet e foi parar nas telas de TV, na série “Adolescência”, da Netflix. A produção retratando a história de um garoto de 13 anos que esfaqueou uma colega de escola até a morte repercutiu pela preocupante atualidade dos massacres escolares, a narrativa chocante e a análise das questões de fundo do crime
Infelizmente, essa obra de ficção reflete uma subcultura que se organiza, radicaliza e cresce não apenas no mundo, mas também em solo brasileiro.
Massacres como o de Realengo, de 2011, ou o de Heliópolis, em 2024, repercutem como crimes brutais e fomentam debate público, sem no entanto parecer terem levado a mudanças estruturais que os previnam. Nesse contexto, as comunidades incel cumprem papel relevante em fomentar ressentimentos e violência extremista.
Ideologia e retórica
Os incels são comunidades de heterossexuais que costumam se organizar e se comunicar em redes sociais e fóruns de internet. Embora algumas características dessa subcultura variem, o desprezo e o ressentimento por mulheres e o enaltecimento de atos de violência, inclusive sexual, são traços comuns internacionalmente.
São indivíduos que se identificam e unem em torno dos sentimentos de rejeição sexual e revolta: “incel” é uma contração de involuntary celibatary, “celibatário involuntário”, em inglês. Cultivam uma visão machista do mundo, em que homens têm o direito de excluir as mulheres de seu convívio por acreditarem que elas lhes privam do acesso a sexo.
Pode haver particularidades nacionais nas comunidades de incels. Por exemplo: nos Estados Unidos, onde essas comunidades começaram, eles tendem a ser patriotas e racistas, ao passo que no Brasil, apesar de também racistas, costumam ter desprezo pelo país.
Embora a expressão “incel” possa ser rastreada até a década de 90, esses grupos começaram a se organizar em fóruns de internet como 4chan já nos anos 2010.
Explorando vulnerabilidades online
A retórica de revolta diante da frustração sexual tem óbvio apelo maior como solução para as vulnerabilidades de adolescentes e jovens adultos, especialmente para os que têm dificuldades em relações sociais ou passam por problemas de saúde mental. De fato, a escalada da frustração para a violência como um meio legítimo de obter sexo se justifica no discurso incel pela crença desses indivíduos na total incapacidade de manter um desejado relacionamento ou uma vida sexual.
As comunidades se estruturam e se comunicam por meio de redes sociais, dentre as quais notavelmente no YouTube e o X, em fóruns especializados ou grupos do Telegram.
Nas redes sociais, tendem a assumir tom mais brando em sua misoginia. Já em fóruns e grupos fechados, onde têm maior sensação de controle e liberdade, podem assumir tom bem mais extremo, incluindo:
- Estímulo à violência sexual
- Planejamento e organização de massacres
- Promoção de discursos racistas e misóginos
- Compartilhamento de imagens de assassinatos e pornografia infantil
- Recrutamento de agentes violentos
Devido à natureza ilegal e violenta dessas ações, muitos incels beneficiam-se do anonimato da dark web para se articular, e nela estruturam seus fóruns. A dark web é uma rede de sites acessíveis apenas por meio de um navegador qualificado, como o Tor, usada amplamente por cibercriminosos para diversos fins.
Para além do ódio às mulheres, o sentimento de inadequação fomenta a noção de decadência moral da sociedade e a divulgação de ideias racistas. Em alguns contextos, isso se traduz em discursos neonazistas ou que pregam o aceleramento intencional desse colapso por meio de violência generalizada.
Como evitar exposição aos incels?
Como evitar contato com essas comunidades é uma preocupação legítima de muitos pais de filhos jovens, seja na condição de vítima de indivíduos radicalizados ou de alvo da doutrinação.
Primeiramente, a conversa constante e o esforço em entender perturbações mentais ou da personalidade do adolescente é fundamental para dissolver o ressentimento incel.
Do ponto de vista das permissões parentais, o controle ostensivo da presença em redes sociais e fóruns é bastante difícil. O uso da tecnologia pode ser um bom aliado nesse sentido, proporcionando ao menos cibersegurança e privacidade nas interações digitais. Uma conexão VPN pode ajudar a criptografar as comunicações online e evitar o vazamento de IP, uma informação que pode levar à descoberta da localização geográfica de alguém na internet.
Esse tipo de ferramenta diminui a incidência de alguns tipos de ataques virtuais, como um antivírus também faz. Além disso, pode ser importante monitorar o que o indivíduo busca no Google e estabelecer permissões de horários e redes sociais específicas para a navegação diária.
Por fim, é muito importante ser diligente na pesquisa da cultura incel. Uma série de memes, imagens e slogans estão vinculados a ela e podem ajudar a indicar um processo de radicalização, uma influência nefasta e até mesmo frustrações pessoais e emocionais que merecem tratamento adequado.
ABC incel
Familiarize-se com este pequeno glossário de termos comuns a essas comunidades.
Actum Sanctum: denominação usada para massacres escolares, que retrata os assassinos como heróis numa missão.
Regra 80/20: popularizada pela série “Adolescência”, é a crença de que 80% das mulheres se sentem atraídas por apenas 20% dos homens, apelidados como alfas ou sigmas. Implica na falta de oportunidade sexual para a maioria deles.
Chad: Gíria para descrever homens brutos e pouco inteligentes, porém populares com mulheres.
Stacy: A versão feminina de um Chad, na gíria incel. Promíscua e superficial.
Becky: Uma mulher indesejável: educada e articulada.
Virgin: Representa o incel, cabisbaixo, mirrado e pálido.
Da esquerda para a direita: representações em meme de Virgin, Chad, Becky e Stacy.
Anão: Modo como incels referem-se a si mesmo algumas comunidades brasileiras.
Redpill: termo usado para descrever tudo relacionado ao “despertar para a verdade” da exploração dos homens pelas mulheres. Deriva da famosa cena do filme Matrix, em que o protagonista toma uma pílula vermelha que o faz enxergar o mundo como ele é.
Blackpill: Uma versão radicalizada da redpill, que prega a morte às mulheres.