A sessão ordinária da última quarta-feira (10) na Câmara da Serra marcou a reabertura das feridas abertas entre Legislativo e Executivo municipal, vividas durante a ano passado. O tema que estava no centro do debate era a votação do auxílio emergencial municipal de R$500, proposto por vereadores posicionados na oposição, por assim dizer.
A sessão atrasou em mais de uma hora para ser iniciada, e sofreu boicote do grupo governista da Câmara que questionou a legalidade da medida e a demora na abertura da sessão. Com isso, apenas 12 vereadores estavam presentes em plenário – exatamente os mesmo que assinaram o PL do auxílio emergencial.
Com o quorum mínimo, o presidente Rodrigo Caldeira, abriu a sessão e o plenário aprovou a proposta. O PL estabelece que seja criado o auxílio para atender 42 mil famílias da Serra, com transferência de renda direta por três meses no valor de R$ 500. A tese jurídica usada pelos vereadores para validar a proposta foi apresentada a eles pelo deputado estadual Vandinho Leite (PSDB), que fez um projeto similar na Assembleia Legislativa criando o auxílio em esfera estadual.
Segundo essa tese, a vigência dos decretos de calamidade pública nacional, estadual e municipal, permitiriam maior flexibilização nas regras constitucionais para apresentação de PL com natureza onerosa vindas do Poder Legislativo. Para falar rasgado: os legisladores teriam mais poderes para fazer projetos que determinam gastos no Executivo.
Se no campo jurídico o debate está colocado, no campo político a dialética não existe, a regra é a guerra. Grupos pró e contra já estão na ativa desde ontem de noite para defender seus lados. As narrativas para os governistas são mais danosas, pois a realidade é dura com a população. E eles podem acabar se tornando os bodes expiatórios.
Por outro lado, o impacto da criação do auxílio é mastodonte – cerca de R$ 60 milhões, o que deixa em dúvida a real condição de viabilização da proposta, dado inclusive a queda de receita na ordem de 17% estimada para esse ano na Serra. Tanto é que o prefeito Audifax, na mesma manhã de quarta-feira, já tinha anunciado a criação de um auxílio, só que menos impactante, porém mais restrito. Seriam R$ 300 destinados a 2,7 mil famílias em situação de vulnerabilidade social.
O que é perene dizer, é que a crise institucional entre Câmara e Prefeitura voltou, e retorna em um momento muito mais nocivo: durante a pandemia do coronavírus. Para situar o leitor, vale lembrar que em abril de 2019, a Serra chegou ao ápice de uma crise entre os poderes municipais, que levou o prefeito Audifax a acusar a Câmara de estar sob o domínio do “crime organizado”, gerando reações entre os vereadores e trocas de acusações e aberturas de frentes de investigação contra o prefeito.
O fator externo nisso tudo, pode-se dizer que é Vandinho. Alheio as guerra políticas entre prefeito e vereadores, ele não tem nada a ver com essas rusgas institucionais e reconhecidamente não participou de nenhum ato neste sentido. Como um dos representantes da população da Serra, ele foi procurado e deu a faca e o queijo para os vereadores – e forma pela qual os parlamentares irão usar essas ferramentas, é de responsabilidade deles.
A força tanto eleitoral quanto de mobilização política de Vandinho está colocada, e ele pode ser inclusive, um dos canais para arrefecimento dos ânimos entre Audifax e vereadores, já que muitos dos parlamentares estão no arco de alianças partidárias que ele montou.
Ainda não há sinais objetivos de tensões entre Audifax e Vandinho, tudo ainda está no campo das ideias e dos debates.Vandinho tem uma retórica forte, ele têm defendido que Estado e prefeituras (em especial a da Serra), paralisem obras não essenciais para remanejar tais recursos em projetos de transferência de renda direta, como o auxílio emergencial proposto.
Um caminho razoável é sentar e dialogar: coisa que Câmara e Prefeitura não fazem há tempos. Em algum momento foi oportunizado para ambos os lados a apresentação de proposta intermediária menos onerosa – como a da PMS, e menos restritivas – como dos vereadores? Não, o debate já se iniciou em tom belicista. Se Câmara e Prefeitura não tem caminhos institucionais de conversa, que procurem outros canais políticos para isso…
O que não pode é o retorno de uma crise, que nada mais é do que política, num momento de pandemia. Os poderes municipais precisam se unir contra o vírus que é o verdadeiro inimigo em comum da sociedade.