Com a morte do Papa Francisco, será convocado um conclave — espécie de votação secreta — para a escolha do novo líder da Igreja Católica. Em termos técnicos, qualquer homem católico pode ser eleito Papa, mas, desde 1379, o escolhido é sempre um cardeal. Nesse cenário, o nome do brasileiro Dom Sérgio da Rocha tem ganhado força entre os cotados para assumir o papado.
Atual arcebispo de Salvador (BA), ele é um dos sete brasileiros com direito a voto no conclave e é considerado um dos mais próximos do Papa Francisco, com quem dividiu responsabilidades estratégicas na administração da Igreja. Entre outros cargos de grande relevância, Dom Sérgio foi presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) entre 2015 e 2019. E foi justamente nesse período que ele se manifestou de forma contundente sobre uma tragédia que deixou marcas profundas também na Serra: o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), ocorrido em novembro de 2015.
Na ocasião, Dom Sérgio, então presidente da CNBB, foi autor de uma carta pública de repúdio e solidariedade às vítimas. O texto condena o modelo de desenvolvimento baseado no lucro a qualquer custo e critica diretamente a atuação das mineradoras, cobrando do Estado brasileiro um posicionamento mais rigoroso diante da destruição ambiental provocada pela tragédia.
“Assistimos, atônitos e indignados, ao rastro de destruição e morte, consequência dessa tragédia, nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, cujas causas devem ser rigorosamente apuradas e os responsáveis obrigados a reparar os danos causados”, cobrou Dom Sergio, na época presidente da CNBB.
“As vidas dos trabalhadores e moradores tragadas pela lama, bem como a fauna e flora destruídas exigem profunda reflexão acerca do desenvolvimento em curso no país. É preciso colocar um limite ao lucro a todo custo que, muitas vezes, faz negligenciar medidas de segurança e proteção à vida das pessoas e do planeta”, diz um trecho da nota.
A carta também destaca a responsabilidade do poder público e do Legislativo em rever o Código de Mineração, apontando que “os legisladores não podem se submeter ao poderio econômico das mineradoras”. Dom Sérgio ainda apontou que “a atividade mineradora no Brasil carece de um marco regulatório que tire do centro o lucro exorbitante das mineradoras ao preço do sacrifício humano e da depredação do meio ambiente com a consequente destruição da biodiversidade”.
O futuro mostraria que Dom Sérgio estava absolutamente certo: pouco mais de três anos depois, em janeiro de 2019, outra tragédia ocorreria — o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG).
Até hoje, o rompimento da barragem de Mariana é considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil. A lama com rejeitos de minério despejada no Rio Doce contaminou suas águas e afetou diretamente diversas comunidades capixabas, já que o rio nasce em Minas Gerais e deságua no Espírito Santo, em Regência, distrito de Linhares.
O impacto foi tão severo que se alastrou pelo litoral capixaba, chegando até a Serra. À época, o jornal Tempo Novo produziu diversos conteúdos jornalísticos que mostraram o impacto socioambiental em bairros como Jacaraípe e Nova Almeida. Mas foi apenas em 2023 que a Justiça reconheceu formalmente, dentro do processo judicial, que a Serra também estava entre os territórios atingidos — inserindo o município no rol das áreas diretamente afetadas pela tragédia/crime ambiental.
A posição firme de Dom Sérgio naquele momento ecoou o pensamento do Papa Francisco, especialmente na encíclica Laudato Si, dedicada à ecologia integral e ao cuidado com a casa comum. “Com efeito, lembra-nos o Papa Francisco que “o princípio da maximização do lucro, que tende a isolar-se de todas as outras considerações, é uma distorção conceitual da economia”. Agora, inserido em um contexto mundial, já que seu nome é um dos cotados para ser Papa, esse tipo de posicionamento de Dom Sérgio reforça a imagem de um líder com visão progressista e social, que pode chegar ao cargo mais alto da Igreja Católica com um histórico de engajamento em causas ambientais e sociais — inclusive com impacto direto no Espírito Santo.