Opinião | A Serra não é quintal de Vitória e não precisa de ‘benção’ para fazer obra

A cidade da Serra não precisa de autorização de Vitória para realizar a obra da Terceira Via.
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Vereador Maurício Leite é aliado do prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini. Crédito: Divulgação

As declarações recentes do vereador de Vitória, Maurício Leite, sobre a obra da Terceira Via, merecem atenção – e resposta. Da tribuna da Câmara, o parlamentar afirmou que a nova rodovia da Serra “vai impactar Vitória” e questionou “qual a contrapartida” para a capital. O tom da fala, e principalmente seu conteúdo, podem revelar mais do que uma suposta preocupação com o planejamento urbano, mas sobretudo uma visão antiga e equivocada de relação entre os municípios da Grande Vitória.

A Serra não é extensão periférica de Vitória. É o município mais populoso do Estado, com mais de meio milhão de habitantes. Sua relevância econômica, territorial e social não permite mais que seja tratada como apêndice de uma capital que, por muitos anos, concentrou investimentos enquanto marginalizava as cidades vizinhas.

A obra da Terceira Via — discutida há décadas — é, antes de tudo, uma resposta à urgência de integração viária entre as duas cidades. Ela beneficiará tanto os trabalhadores da Serra que atuam na capital, quanto os moradores de Vitória que se deslocam diariamente à Serra. A mobilidade entre as duas cidades deixou de ser uma questão local para se tornar, há tempos, uma agenda metropolitana.

O projeto não surgiu de improviso e muito menos foi desenhado à revelia dos demais municípios. Trata-se de uma nova ligação viária que vai aliviar o trânsito na Avenida Norte Sul, desafogar a BR-101 e conectar regiões estratégicas da Serra com mais fluidez. E embora vá beneficiar milhares de moradores de Vitória — e vice-versa —, a obra acontece integralmente dentro do território serrano nesta primeira fase. Não invade a capital, não interfere no traçado urbano de Vitória e, portanto, não exige aval nem contrapartida ao município vizinho.

Vale ressaltar que o vereador aparenta desconhecer os detalhes do projeto, talvez nem sequer tenha se dado ao trabalho de lê-lo antes de se manifestar. A chamada Terceira Via não tem como objetivo aumentar o número de veículos em circulação, mas sim reorganizar o tráfego para torná-lo mais eficiente.

Em termos práticos: os carros já circulam entre Serra e Vitória, com ou sem a obra. A diferença é que, com a nova via, esses deslocamentos serão mais rápidos, com menos pontos de retenção, reduzindo os engarrafamentos, acidentes e seus impactos no cotidiano de quem trafega entre os dois municípios.

3ª ligação entre Serra e Vitória Terceira
A terceira ligação entre Serra e Vitória saiu do papel: obra será licitada. Crédito: Divulgação

Causa estranheza, portanto, que o vereador só tenha se manifestado agora, às vésperas da licitação da obra. A crítica, além de extemporânea, demonstra desconhecimento técnico: a primeira fase do projeto sequer atinge o território de Vitória. A rodovia começa em Novo Horizonte, na Serra, e vai até as imediações do bairro Hélio Ferraz, contornando áreas industriais e de alta densidade de tráfego — tudo dentro dos limites serranos.

Não há, portanto, qualquer ingerência da capital sobre a execução da obra, tampouco razão para exigir “contrapartidas”. A fala do vereador ignora, ainda, o esforço contínuo que a Serra tem feito nos últimos anos para melhorar sua malha viária. São investimentos em binários, viadutos e conexões estratégicas que beneficiam toda a região.

Em vez de cobrar uma contrapartida da Serra, o vereador poderia direcionar sua preocupação ao aliado político, o prefeito de Vitória, e sugerir que a capital participe do investimento. Afinal, a Terceira Via, que beneficiará diretamente os moradores de Vitória, será viabilizada com um empréstimo assumido pela Prefeitura da Serra e terá um custo estimado em R$ 240 milhões apenas na primeira fase.

‘Turismo da Saúde’ na Serra

Todos os meses, milhares de moradores da capital são atendidos nas UPAs da Serra, especialmente em Carapina. Só de janeiro a junho, foram 5.700 atendimentos a pacientes de Vitória — bancados com recursos do município serrano. E até hoje, a Prefeitura de Vitória nunca propôs qualquer forma de compensação por esse atendimento.

Além disso, Vitória vai ser beneficiada com a transferência de uma estação de tratamento de esgoto de Jardim Camburi para São Geraldo, também na Serra. Nenhuma contrapartida foi apresentada pela capital.

Se a ideia é falar de integração regional, então é preciso começar reconhecendo o que já é feito na prática. A Serra tem cumprido sua parte. Está construindo soluções. E espera o mesmo dos demais municípios, inclusive da capital.

Por fim, é bom lembrar que a Serra não deve satisfações administrativas a Vitória. Cada cidade tem sua autonomia e seus desafios. A convivência entre municípios precisa ser baseada no respeito, na cooperação e no bom senso — e não em discursos que tentam impor hierarquias onde não existem.

A Região Metropolitana da Grande Vitória precisa de mais pontes — reais e simbólicas. E menos discursos que tentam transformar diálogo em confronto. A Terceira Via é uma oportunidade de avanço para todos. E não será um discurso atravessado que vai frear o progresso.

Impactos na Serra, benefícios em Vitória

Crédito: Divulgação

Ao vereador Maurício Leite, sugerimos menos indignação teatral e mais compromisso com informações qualificadas. A Serra não aceitará jamais ser tratada como um incômodo ou um fardo. Somos parte essencial da Grande Vitória e exigimos o respeito que isso impõe.

Mas, se o vereador quiser realmente abrir um debate sobre vantagens e desvantagens entre as cidades, estamos prontos. Podemos começar, por exemplo, falando sobre a entrada industrial da Vale, localizada na Serra, enquanto a portaria executiva – e a arrecadação do imposto – ficam em Vitória. O tráfego pesado, a poluição e os transtornos? Todos aqui.

E o Porto de Praia Mole? A entrada industrial, tanto rodoviária, quanto ferroviária, impacta diretamente o trânsito da Serra, mas o ISS vai para Vitória.

Sem esquecer do cone de aproximação do Aeroporto de Vitória. Os cartões-postais das aeronaves pousando ficam em Jardim Camburi, mas as restrições urbanas para construções mais altas atingem bairros como Carapina e Jardim Limoeiro, na Serra. A Serra não é mais o quintal de Vitória.

Foto de Gabriel Almeida

Gabriel Almeida

Jornalista há 11 anos, Gabriel Almeida é editor-chefe do Portal Tempo Novo. Atua diretamente na produção e curadoria do conteúdo, além de assinar reportagens sobre os principais acontecimentos da cidade da Serra e temas de interesse público estadual.

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