Direito e Cidadania

Os limites da atuação policial na fiscalização do comércio para cumprimento da quarentena

Vendo inúmeras imagens e vídeos de ações de fiscalização e detenções de pessoas que estão trabalhando, em teórico desacordo aos decretos estaduais de fechamento, surge o questionamento natural:

Qual o limite na atuação das forças de segurança em apoio às agências de fiscalização?

Deve-se aqui ter o cuidado de primeiro assinalar que não se vive tempos normais, há uma anomia social instalada e vigente, o que torna qualquer análise jurídica uma, dentre algumas possibilidades. Mas antes é necessária uma contextualização.

No ano passado foi editada a lei nº 13.979/2020 (Lei da Pandemia) que tinha como objetivo dispor sobre as medidas que poderiam ser adotadas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, conforme informa seu artigo primeiro.

Assim, no decorrer de seus artigos, são dispostas medidas possíveis para um ou vários atores públicos, tentarem prevenir e minimizar os efeitos da pandemia, apontado o artigo 3º as medidas que poderão ser adotadas, dentre elas isolamento, quarentena, determinação de exames compulsórios, restrição excepcional e temporária de rodovias, portos, aeroportos, etc.

Em 15 de Abril de 2020 o STF reconheceu a competência concorrente de estados, DF, municípios e União no combate à Covid-19 através da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) de nº 6341, que argumentava que a redistribuição de poderes de polícia sanitária introduzida pela MP 926/2020​ na Lei Federal 13.979/2020 interferiu no regime de cooperação entre os entes federativos, pois confiou à União as prerrogativas de isolamento, quarentena, interdição de locomoção, de serviços públicos e atividades essenciais e de circulação.

Em 11 de agosto de 2020 foi editada a lei nº 14.035/2020, que alterou alguns dispositivos da lei da Pandemia, especialmente no que tange a ação autônoma de medidas pelos gestores locais de saúde.

No parágrafo 7º, inciso II do artigo 3º da lei da Pandemia, temos que as medidas previstas neste artigo poderão ser adotadas pelos gestores locais de saúde, desde que autorizados pelo Ministério da Saúde, nas hipóteses dos incisos I, II, III-A, V e VI; justamente os que compreendem o isolamento, a quarentena, e a restrição excepcional e temporária de rodovias, portos, aeroportos.

Vejam que não é simples uma análise de até onde pode chegar o poder de polícia sanitária e a autonomia dos entes federados (estados) em estabelecer medidas sanitárias dentro da legalidade, respeitando, sobretudo, o pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas, conforme preconiza o Artigo 3 do Regulamento Sanitário Internacional e a Constituição Federal.

Respondendo a pergunta, o limite da atuação das forças de segurança é, e sempre deve ser a legalidade.

Contudo, como visto a legalidade das normas hoje em dia possui limites pouco claros, não é simples para um agente de segurança decidir, em loco, sem tempo hábil, o que é uma mera resistência passiva, uma infração meramente administrativa (portanto assunto exclusivo dos agentes de fiscalização) ou um crime tipificado no artigo 268 do Código Penal, que é o que está sendo utilizado, juntamente com o 330 e o 331, desobediência e desacato, para justificar as detenções e o uso da força contra trabalhadores.

A infração do artigo 268 do CP é o de Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa, mas, conforme ensina Rogério Sanches em seu Manual de Direito Penal, trata-se o artigo 268 de norma penal em branco, ou seja, requer complemento de outra norma ou determinação pública para que possa ter eficácia. Assim, condição sine qua non, condição essencial, que a norma pública que complemente o artigo 268 do CP seja uma norma legal.

Por todo o exposto, fica patente que a análise jurídica necessária para que o policial decida no momento da ocorrência se está ou não ocorrendo o crime do artigo 268, por mera negativa do trabalhador em obedecer às ordens da fiscalização para o fechamento de um comércio, é muito difícil.

Percebam, no entanto, que se houver o uso de violência física ou verbal contra o fiscal por parte do trabalhador, caracterizada está à ocorrência de crime, que pode variar de simples desacato a desobediência, ou até mesmo lesão corporal, cabendo nestes casos, sem dúvida nenhuma, a atuação das forças de segurança.

 

Bruno Puppim

Bruno Puppim é advogado

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