A Serra costuma se enxergar como a cidade economicamente mais rica do Espírito Santo, já que há alguns anos lidera o ranking do PIB municipal capixaba. Essa é uma verdade numérica incontestável. No entanto, trata-se apenas de uma perspectiva, pois o contínuo crescimento populacional pressiona o orçamento e coloca o município entre os mais pobres quando considerada a proporcionalidade — que é, de fato, o parâmetro que dimensiona os desafios públicos no conjunto.
Segundo dados do Tribunal de Contas do Espírito Santo, nos sete primeiros meses de 2025 a Serra arrecadou R$ 1,72 bilhão, ficando em segundo lugar no ranking estadual, atrás apenas de Vitória. É desse montante que a Prefeitura tirou dinheiro para custear todas as suas responsabilidades.
Se, por um lado, o orçamento público visto em números globais coloca a Serra no topo, por outro, quando a avaliação é feita proporcionalmente à população, revela-se o tamanho do desafio. Nessa ótica, a cidade sai da segunda posição e cai para a 73ª entre os 78 municípios capixabas, tornando-se a 6ª “mais pobre” do Espírito Santo. É nesse contraste que aparecem as discrepâncias reais no estado.
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Serra: cidade rica?
A receita arrecadada per capita é calculada a partir da divisão do total arrecadado pelo município pelo número de habitantes, permitindo avaliar quanto dinheiro cada Prefeitura dispõe em relação ao tamanho da população. Nesse quesito, a Serra arrecadou, nos sete primeiros meses de 2025, R$ 2,9 mil por habitante.
Esse número deve ser ainda menor, já que a última estimativa divulgada pelo IBGE aponta que a Serra tem 580 mil habitantes. Muito provavelmente, o TC-ES utilizou como base de cálculo os dados do Censo de 2022, que registrou 520 mil moradores.
Para efeito de comparação, o ranking é liderado por Presidente Kennedy, com arrecadação de R$ 16,8 mil por habitante, seguido por Anchieta (R$ 7,7 mil/habitante) e Itapemirim (R$ 7,1 mil/habitante) — todas favorecidas pelos royalties do petróleo. Em quarto lugar aparece Vitória, com R$ 6,1 mil por habitante, ou seja, mais que o dobro da Serra.
Vitória, aliás, é um caso peculiar no Espírito Santo: além de ter a maior arrecadação total, possui população significativamente menor que a da Serra e com renda média mais elevada. Esse cenário reduz a demanda por serviços públicos e garante à capital a combinação de mais recursos e menos obrigações.
Crescimento populacional:
Esse cenário na Serra tem um motivo principal: o crescimento populacional ininterrupto, fenômeno contínuo desde que o município alterou sua matriz econômica na década de 1960, deixando de ser agrícola para entrar na fase industrial com a instalação do Porto de Tubarão. De lá para cá a população cresce continuamente.
Entre os Censos de 2010 e 2022, a Serra foi a 12ª cidade brasileira que mais ganhou novos habitantes, entre migrantes e nascidos, em um movimento que se repete a cada levantamento demográfico. Na última década, o município recebeu, em média, 10 mil novos moradores por ano, o que pressiona o orçamento público diante da necessidade de ampliar a oferta de serviços de forma escalonada.
O perfil populacional acompanha essa lógica: a cidade atrai moradores de média e baixa renda por oferecer um metro quadrado mais barato do que Vitória e Vila Velha, mas, ao mesmo tempo, com mais infraestrutura urbana e serviços públicos que Cariacica.
Essa equação mantém a Serra na parte de baixo no ranking de arrecadação per capita, comprimindo o orçamento público frente às crescentes necessidades e obrigações. Felizmente, o orçamento público da Serra tem crescido nos últimos anos, aliado a um uso mais planejado dos recursos. Esses fatores afastam o município do colapso urbano vivido especialmente nos anos 1990. Ainda assim, o cenário impõe um estado crítico permanente, sobretudo porque a cidade passou a competir de forma intensa por investimentos públicos e privados com municípios como Linhares e Aracruz.
Uma das estratégias utilizadas para equilibrar o orçamento, preservando o custeio e mantendo algum ritmo de investimento, é o uso de crédito, viabilizado pela solidez fiscal do município. No entanto, é evidente que esse instrumento tem limites. Esse talvez seja o desafio estrutural da Serra ao longo dos últimos 60 anos: conciliar o crescimento populacional com o crescimento orçamentário, de modo que a rica — porém pobre — cidade da Serra não volte a enfrentar o caos.
1 – Presidente Kennedy – R$ 16.878,34 por habitante
2 – Anchieta – R$ 7.732,28 por habitante
3 – Itapemirim – R$ 7.120,33 por habitante
4 – Vitória – R$ 6.112,72 por habitante
5 – Aracruz – R$ 6.010,18 por habitante
…
73º – Serra – R$ 2.969,86 por habitante
74º – Vila Velha – R$ 2.872,94 por habitante
75º – Ibatiba – R$ 2.855,51 por habitante
76º – Cariacica – R$ 2.812,83 por habitante
77º – São Mateus – R$ 2.706,42 por habitante
78º – Iúna – R$ 2.700,88 por habitante

