Casagrande, um abismo e o resto

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Renato Casagrande deve deixar o governo em abril para disputar uma vaga no Senado. Crédito: Divulgação.

O jeito sempre muito receptivo, simpático e brincalhão do governador Renato Casagrande (PSB), muitas vezes, pode não revelar de imediato a dimensão de sua hegemonia política no Espírito Santo. Trata-se de uma condição que, no conjunto, parece ter superado a de seu antecessor, o ex-governador Paulo Hartung (PSD), que liderou o Estado de forma praticamente unânime em seus dois primeiros mandatos, entre 2003 e 2010.

A aura que sempre cercou Hartung jamais ocultou essa condição de unanimidade. Pelo contrário, reforçou as liturgias do cargo e consolidou uma persona quase mitológica no meio político: a do governante plenamente consciente de seu poder decisório, visto como onisciente e onipotente. Não por acaso, ganhou o apelido de “imperador”, por vezes em tom ácido, noutras como reconhecimento explícito de sua centralidade e comando no exercício do poder.

O Jeito Casão

Já Casagrande lidera de outra forma, ao ‘jeito Casão’ que carrega muito das origens interioranas do Espírito Santo. É um modo de estar na política marcado pela receptividade, pela conversa fácil, pelo sorriso constante e por uma informalidade que quebra protocolos sem esvaziar o conteúdo. Renato Casagrande construiu sua trajetória assim, acessível, agradável, piadista na medida certa e sempre disposto ao contato direto.

Esse traço, que já era visível no corpo a corpo da política tradicional, ganhou nova forma com a integração plena às redes sociais. Casagrande entendeu cedo que o ambiente digital não exige apenas informação, mas também linguagem, humor e proximidade. Passou a falar com naturalidade, a brincar consigo mesmo, a rir, a participar de trends e a transformar o cotidiano da gestão em conteúdo leve e digerível.

O governador se apresenta hoje como um político “moderninho” no melhor sentido do termo: alguém que não renega sua formação clássica, mas que se adapta ao tempo presente. Seus vídeos entregam entretenimento sem cair no vazio, humanizam a figura do governante e criam identificação com públicos que historicamente mantinham distância da política institucional.

Há método nisso. O estilo descontraído não é improviso, tampouco substitui a ação de governo. Ele funciona como ponte. Casagrande usa o humor, a informalidade e a presença digital para reduzir ruídos, aproximar o cidadão comum do poder e reforçar a imagem de um governador acessível, alguém que governa, mas também conversa, escuta e se deixa ver.

O “jeito Casão” não é simples carisma, é leitura de tempo, adaptação geracional e compreensão de que, na política contemporânea, comunicar bem também é governar. Somado a um governo bem gerido, organizado e que entrega resultados de forma contínua, tem-se, portanto, um dos governadores mais bem avaliados do Brasil, mesmo em meio à quebradeira provocada pela polarização política.

Poder inconteste

O “jeito Casão” não produz, à primeira vista, a percepção explícita de sua hegemonia, como ocorria com Paulo Hartung. Ainda assim, Casagrande é hoje um poder inconteste no Espírito Santo, maior, inclusive, do que o próprio Hartung em seu auge. Não fosse o bolsonarismo, associado a um movimento nacional, com o qual Casagrande dialoga quando necessário, sequer haveria uma oposição clara e institucionalmente constituída no Estado.

A oposição política a Casagrande no Espírito Santo se resume, em grande medida, à face mais extremista do bolsonarismo local, muitas vezes desarticulada, que dialoga apenas com seus próprios grupos e não se traduz em derrotas reais para o governador fora do campo das narrativas ideológicas, onde entrega muito pouco em termos práticos. Soma-se a isso o partido Republicanos, mas de forma cautelosa e tímida, sem sistematização política clara e ancorado na confortável realidade orçamentária da Prefeitura de Vitória, que lhe permite certo isolamento institucional.

Há ainda o ex-governador Paulo Hartung, que hoje parece atuar mais como um ator de bastidores do que como um player eleitoral propriamente dito. PH perdeu capilaridade eleitoral nos últimos anos, embora continue sendo uma força política relevante. Ainda assim, não mantém relação com o bolsonarismo e, até o momento, sua aproximação com o Republicanos não passou de um flerte.

A frágil oposição a Casagrande pode, eventualmente, ganhar mais um nome: o prefeito de Vila Velha, Arnaldinho Borgo (PSDB). Arnaldinho fez um movimento mal calculado ao apostar em uma hipotética disputa sucessória dentro do grupo de Casagrande (disputa que, na prática, existia apenas em seu próprio imaginário) o que acabou gerando desconforto político. Mesmo após a verbalização pública de apoio de Casagrande à pré-candidatura de Ricardo Ferraço (MDB) ao Governo do Estado, Arnaldinho deixou evidente sua intenção de não recuar. Trata-se, contudo, de um cenário ainda em aberto. O fato é que Arnaldinho também não é uma figura necessariamente aceita pelo bolsonarismo, tampouco inspira confiança ao Republicanos.

Dessa forma, Casagrande governa hegemonicamente, praticamente desimpedido de uma oposição tangível; situação rara na história político-administrativa do Espírito Santo. Mesmo o período conhecido como monteirismo, liderado por Jerônimo Monteiro, enfrentou oposição intensa de rivais como Muniz Freire, o que acabou minando suas forças e contribuindo para a perda de prestígio e do poder central ao final da década de 1920.

Poder institucional

Casagrande também apresenta uma capilaridade institucional poucas vezes vista. O governador construiu uma gestão política consistente junto à Assembleia Legislativa, com quase oito anos marcados por um confortável ambiente de harmonia, mantendo aliados em posições estratégicas de comando e articulação.

Além disso, soube se relacionar institucionalmente com os órgãos de Estado, como o Tribunal de Contas e o Ministério Público, nos quais exerceu suas prerrogativas constitucionais, como a indicação de conselheiros e do procurador-geral de Justiça (PGJ). Esse movimento contribuiu para o fortalecimento do diálogo e para o equilíbrio institucional no Espírito Santo, dentro das quatro linhas do jogo democrático.

Casagrande não enfrenta movimentos contrários nas forças policiais e mantém capilaridade junto às instituições representativas dos mais diversos segmentos da sociedade. É muito bem relacionado com os grandes grupos de comunicação e também os do interior. Seu ritmo de investimentos o aproximou fortemente da política de base, exercida cotidianamente por prefeitos e vereadores. É curioso, por exemplo, observar que, quando Casagrande visita a Serra, conhece lideranças comunitárias pelo nome e domina aspectos pessoais da trajetória dessas pessoas.

Investimento (muito) acima da média

Tudo isso só é possível em razão da saúde fiscal e orçamentária do Estado, que se encontra em seu melhor patamar histórico desde a chegada de Vasco Fernandes Coutinho à região, a bordo da caravela Glória, marco inicial do que viria a se tornar o Espírito Santo. Casagrande governa um Estado que investe cerca de 20% de sua receita total, enquanto a média nacional gira em torno de 6%. Ele exerce o governo em um momento em que o Espírito Santo apresenta perspectivas econômicas altamente favoráveis e passa, de certa forma, por um processo de redescoberta no cenário nacional.

Trata-se de uma somatória de fatores que sustenta uma dianteira casagrandista bastante robusta e que, ao “jeito Casão” de ser, inscreve o nome de Casagrande na história do Espírito Santo, fazendo dele, de forma pragmática, o maior político em exercício no Estado. É como se o cenário fosse: 1º Casagrande; 2º um abismo; 3º o restante.

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Yuri Scardini

Yuri Scardini é diretor de jornalismo do Jornal Tempo Novo e colunista do portal. À frente da coluna Mestre Álvaro, aborda temas relevantes para quem vive na Serra, com análises aprofundadas sobre política, economia e outros assuntos que impactam diretamente a vida da população local. Seu trabalho se destaca pela leitura crítica dos fatos e pelo uso de dados para embasar reflexões sobre o município e o Espírito Santo.

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