
Este fim de semana foi de muita revolta na Serra, isso porque, a crise de abastecimento de água na cidade piorou e se espalhou para diversos bairros em todas as regiões. Leitores do Jornal Tempo Novo passaram o sábado (11) e o domingo (12) encaminhando fotos e vídeos da situação lamentável da qual estavam passando, tendo que utilizar água que varia de cor que se assemelha do café a até coloração amarelada.
Buscando divulgar possíveis soluções das quais o poder público estaria tomando, a reportagem procurou o governador Renato Casagrande, que é quem nomeia o presidente da Cesan, já que a empresa é uma estatal pertencente majoritariamente ao Estado. O primeiro contato com a assessoria direta do governador foi realizado no domingo às 9h53. A resposta recebida poucos instantes após foi a seguinte: “favor acionar a assessoria da Cesan”. Já na manha desta segunda-feira (13), a reportagem questionou novamente a assessoria se o governador gostaria de se posicionar a respeito da crise de abastecimento.
Desta vez, o retorno foi mais explicito no sentido de que Casagrande não vai prestar nenhuma resposta aos moradores da Serra: “essa questão é com a Cesan, é uma demanda da concessionária, a Cesan fala em nome do Governo”, disse a assessoria em mensagem de Whatsapp às 10h13 desta segunda-feira. Em resumo, o governador não irá se posicionar diante do caos vivido na Serra devido à água fornecida em condições duvidosas [para dizer o mínimo].
A reportagem do Jornal Tempo Novo buscou Casagrande, exatamente pelo fato de que na semana passada a Cesan foi ouvida. E a resposta desagradou muitos leitores, já que, de acordo com a empresa, a água fornecida “não faz mal” e os moradores “deveriam limpar as caixas d’água”; por fim, foi informado pela empresa que “seria muito importante se os consumidores informassem a Cesan pelo número 115 com mesma velocidade que posta na internet”.
Desde então, vários moradores da Serra passaram a enviar vídeos de água barreta vinda diretamente da rua para às torneiras. Outro ponto que tem surgido cada vez mais é a relação do consumo dessa água com casos de gastroenterite. A reportagem demandou a Prefeitura da Serra em busca de dados de atendimento nas unidades de saúde com pacientes apresentando tais sintomas, mas não houve retorno.
O problema de abastecimento de água atingiu tanto as comunidades que são atendidas pelos Rios, Santa Maria da Vitória bem como os bairros da macrorregião de Serra Sede, que são abastecidos pelo Reis Magos. Até a publicação dessa reportagem, não foi publicada nenhuma matéria jornalística em outros veículos de comunicação reportando ocorrência do problema em Vitória e nas demais cidades.
Vídeo mostra água que a Cesan mandou para a Serra neste final de semana: pic.twitter.com/4K9pHkMfvi
— Jornal Tempo Novo – Serra/ES (@portaltemponovo) February 13, 2023
Nota editorial: água potável é condição mínima do direito à dignidade
Há alguns anos a Serra enfrenta uma crise crônica de fornecimento de água potável; tal crise tem períodos mais e menos agudos, no entanto, é permanente, como o nome já sugere. Os problemas mais visíveis são dois [mas existem outros]: frequência da disponibilidade de água [ou a falta dela] e a qualidade [duvidosa] do líquido que chega às residências da população.
Acesso à água potável integra a condição mínima do direito à dignidade da pessoa humana, isso significa que a quantidade e também a qualidade da água deve ser respeitada como forma de atingir níveis adequados de saúde e bem estar. Na Serra, bairros inteiros foram obrigados a se acostumar com a constante condição de falta d’água, que duram dias, ou em casos menos recorrentes, mas não necessariamente raros, semanas. Por coincidência ou não, isso vale em especial para as comunidades periférico-populosas.
Ocorre que nos últimos anos observou-se uma piora na frequência de água fornecida e no aumento dos casos em que o líquido chega em altos níveis de turbidez. Soma-se isso a um contexto de que a Serra continua registrando níveis de crescimento populacional, tal como o IBGE confirmou no senso de 2020 (realizado em 2022). O resultado é a dúvida da viabilidade do desenvolvimento humano na Serra, já que sem água em quantidade e qualidade, não é possível o avançar.
A incapacidade da Cesan em promover a disponibilidade hídrica à população e a atividade econômica é talvez o maior risco ao futuro da Serra. Além do que, existem normativas internacionais no que tange a água tais como as estabelecidas pela ONU, pelas Conferências do Clima, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e tantos outros. Ao deixar a Serra sem água e/ou fornecer água em condições duvidosas de forma crônica com eventos agudos prolongados, estaria a Cesan cometendo crime internacional?