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‘Seu Meira’: o percussor mega-industrial alemão e homem mais rico a morar na Serra

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Karl Heinz Wilhelm Moehring. Foto não datada, consta no site do Grupo Möhring, sem identificação de autoria.

Muito se fala sobre o desenvolvimento da Serra experimentado durante e após a implantação da ArcelorMittal, antiga CST, inaugurada em 1983. É sem dúvida um marco para a Serra moderna que contribuiu para a guinada da industrialização na segunda metade do século XX. No entanto, bem antes da ArcelorMittal, uma outra empresa desbravou a indústria serrana e colocou a cidade no mapa-múndi do comércio.

Trata-se da Atlantic Veneer do Brasil, que instalou uma planta industrial em 1968, às margens da BR-101, em toda a região onde hoje está o supermercado Atacadão, um total de 63 hectares de terra. De propriedade do alemão Karl Heinz Wilhelm Moehring, a empresa no auge foi maior fabricante de folheados de madeira do mundo. Se fosse aos parâmetros da Serra atual, uma empresa desse porte já seria absolutamente estruturante para a cidade, o que dizer então daquela Serra dos anos 60-70? Época em que o município era essencialmente rural e tinha entre 9 mil a 17 mil habitantes.

Muito pouco citado na literatura capixaba, Karl Heinz Moehring foi o primeiro mega-industrial na concepção do capitalismo moderno, na Serra, e um dos primeiros no Espírito Santo. Um percussor do desenvolvimento que hoje observamos na cidade. Fruto de seu tempo, a empresa criada pelo alemão, a Atlantic Veneer do Brasil, trouxe diversos avanços e impactos; dela, existem exemplos de sucesso e empreendedorismo, mas também pairam acusações diversas.

Tudo normal, pois essa é a vida real que consiste em muitas verdades, algumas mais indigestas que outras; uma empresa igual à Atlantic foi percussora e desenvolvimentista; mas também foi impactante, colecionou polêmicas e controvérsias. Como é notável nos demais textos apresentados, a proposta aqui é um olhar histórico sobre esse personagem da vida real, cabendo ao leitor, fazer o julgamento de valor que melhor entender; independente de qualquer coisa, Karl foi um dos residentes mais expressivos da história de 466 anos da Serra, chamado popularmente por seus milhares de funcionários serranos de ‘Seu Meira’.

Nota: Existem algumas variações do sobrenome Moehring, que é descrito em arquivos de jornais da época como Mohring e outras vezes Möhring; há também registros na Justiça brasileira que é redigido como Moerting. Este texto preferiu utilizar o primeiro, já que é assim que consta em um breve, porém, importante documento biográfico no site do Grup Möhring que é a empresa controladora dos negócios originários de Karl, atualmente dirigida por seus descendentes.

Karl lutou pelo lado nazista e pós-guerra se mudou para fugir do comunismo

Dois cidadãos berlinenses sentados em meio à destruição da capital alemã, em maio de 1945, após a rendição nazista.

Uma parte muito pouco conhecida sobre a vida de Karl foi anterior a sua atividade empresarial. Provavelmente nascido no ano de 1922, de acordo com indícios que constam no texto biográfico acima citado, Karl Heinz Wilhelm Moehring foi um combatente da 2ª Guerra Mundial. No entanto devido aos pouquíssimos registros, não se sabe exatamente qual função exerceu na tropa de Adolf Hitler; de acordo com moradores da Serra que tiveram contato direto com ele durante os mais de 20 anos em que Karl residiu na cidade, o próprio alemão se encarregou de nunca tocar no assunto, deixando essa parte de sua vida ainda mais misteriosa.

Apesar disso era bastante difundida a informação entre ex-funcionários da Atlantic a respeito da participação de Karl na guerra pelo lado nazista. O próprio material biográfico, escrito por Michael Boel – um de seus homens de confiança – começa a traçar uma linha do tempo somente a partir de 1947, dois anos depois do final da 2º Guerra. Prática, aliás, muito normal entre ex-combatentes nazistas que foram biografados por feitos não relacionados ao conflito mundial, como uma forma de não ser vinculado as atrocidades do regime nazistas.

O que se sabe é que Karl Heinz Moehring, voltou da guerra em 1945, provavelmente com 23 anos, retornando para sua cidade natal, Salzwedel no norte da Alemanha. No entanto, dois anos depois, em 1947, Karl se mudou para a cidade de Hamburgo, para fugir da Zona de Ocupação Soviética. Área que em 7 de outubro de 1949 se converteria numa república socialista chamada República Democrática Alemã, popularmente conhecida como Alemanha Oriental ou Alemanha Comunista.

Karl chegou a Hamburgo com sua esposa Ilse Maria Moehring e a primeira filha do casal Sylvia Weygoldt. Junto com eles, Karl trazia 2.800 m² de folheados de madeira de burl, que é cortada de crescimentos anormais em nós ou tocos na base de uma árvore. Esse material tem alto valor comercial e Karl queria comercializar o produto. A coluna Histórias da Serra conseguiu extrair informações de um site funerário americano, o Munden Funeral Home & Crematory, que em 2015 publicou o obituário da esposa de Karl, Ilse (detalhado abaixo). O texto dizia que o casal se casou “há quase 70 anos” e que desse matrimônio foram concebidas duas filhas Sylvia Weygoldt e Barbara Handley, que até 2015, tinham gerado 4 netos e 9 bisnetos.

No documento biográfico, Michael Boel, exalta Karl que em 1957 estrutura uma empresa que viria a ser percussora da Atlantic Veneer (detalhado abaixo), no parágrafo em questão, o autor do texto diz que aquele feito foi “um passo corajoso para o comerciante de folheados de 35 anos da cidade de Salzwedel, que há dez anos havia atravessado a Alemanha ocupada pela Rússia para a Zona Britânica, em Hamburgo”. Ao cruzar tais informações, tudo leva a confirmar que Karl conheceu Ilse logo que voltou da guerra, quando tinha entre 23 e 25 anos, casando-se com ela e  se mudando para a cidade natal de sua esposa, Hamburgo, para fugir do regime comunista imposto pela União Soviética.

Reconstrução da Alemanha e o começo do negócio no ramo de folheados de madeira

Bombardeio de Dresden gerou tempestade de fogo que destruiu o centro da cidade.

Para dar início ao seu negócio de compra e venda dos folheados de madeira, Karl alugou um escritório localizado no centro de Hamburgo. Foi lá que ele conheceu duas pessoas importantes em sua trajetória, a Sra. Everth, que seria sua primeira gerente geral das empresas que Karl fundaria, e Sr. Leboucher, que no futuro figuraria como representante geral da renomada empresa de folheados Marcel Miguet, em Paris na França. No futuro, essa empresa seria absolutamente fundamental para transformar o jovem Karl em um mega-industrial.

Após o tímido início, os negócios avançaram e ainda em 1947, Karl conseguiu montar um negócio atacadista de folheados de madeira, mudando-se para instalações alugadas na região de Wendenstrasse, em Hamburgo. Dessa ampliação, Karl Moehring precisou atravessar o negócio com três sócios que financiaram o negócio. Todos eles seriam pagos já no ano seguinte, em 1948.

Karl estava tentando empreender na Alemanha pós-guerra; uma tarefa de oportunidades, mas também de grandes riscos, já que a economia estava literalmente quebrada junto com todo o país em escombros. Para reconstruir a Alemanha, era necessária a inserção de uma nova moeda, já que a desacreditada moeda Reichsmark passou a não valer absolutamente nada. Para se ter uma ideia, o cigarro era a moeda clandestina da época. Nos dias 16 e 17 de junho de 1948, a história registra que pelas três zonas de ocupação dos aliados ocidentais: Estados Unidos, Reino Unido e França foram distribuídos 23 mil caixotes de madeiras, com o inocente indicativo “doorknobs” (maçanetas). Mas na verdade o conteúdo era outro: novo dinheiro para os alemães, em cédulas impressas nos Estados Unidos. Eram exatamente 10 bilhões 701 milhões e 720 mil marcos alemães, a nova moeda.

Estava em curso na Alemanha à reforma monetária, o velho Reichsmark estava dando lugar ao Marco Alemão. Com ele veio também uma liberalização gradual do comércio exterior, que antes estava proibido como resultado da Guerra perdida. Isso animou Karl Heinz Moehring, que viu as oportunidades resultantes para ele, já que seu produto poderia ser parte do material utilizado na reconstrução do país.

Karl viu uma especial oportunidade na importação de folheados de mandria franceses. O que começou então foi uma relação muito próxima com a empresa Marcel Miguet, de Paris, citada acima; e logo Moehring passou a ser o maior importador de nogueira francesa para a Alemanha, a espécie de madeira mais popular na época. A nogueira é conhecida por ter uma cor escura bem viva, muito bonita e elegante; e foi largamente utilizada na Europa para a reconstrução de imóveis no pós-guerra, do teto ao piso. Com essa parceria franco-alemã na importação dos folheados de madeira, Karl conseguiu sair de seu armazém em Hamburgo e expandiu suas atividades de vendas para o coração da indústria de móveis da Alemanha: a Renânia do Norte – Vestfália. Ou seja, é a partir de 1948 que Karl se torna efetivamente um empresário, ao instalar sua própria empresa de compra e venda de madeira.

Nota: Os folheados de madeira são lâminas finas de madeira cortadas de toras redondas ou quadradas, conhecidos por falcas. Eles possuem inúmeras utilidades na construção civil, desde a fabricação de móveis até casas, tetos, paredes e assoalhos. Naquela época, os folheados eram o que tinham de melhor no mercado, em especial aqueles feitos com madeira maciça, o que conferia muita durabilidade ao resultado final.

Negócios avançam e Karl decide expandir para fabricação de folheados

Transcorridos dois anos de sua atividade na compra e venda de folheados de madeira, Karl Moehring percebeu que não conseguiria atender a demanda da construção civil alemã de folheados. Na época ele mantinha as importações da França e fazia seu próprio corte de madeira junto a uma empresa parceira. Mas era necessário expandir a produção.

No primeiro momento, Karl e sua esposa Ilse fizeram uma visita ao então concorrente e poderoso industrial do setor, o Sr. Karl Danzer. Moehring teria feito uma oferta para a distribuição exclusiva da empresa Danzer Veneer na região de Vestfália. Danzer rejeitou a proposta de Moehring, que segundo consta teria respondido: “você está me forçando a construir minha própria fábrica”. Ao que Danzer teria rebatido ofensivamente: “Outro lixão na Vestfália“. Mal sabia Danzer, que sua negativa diante da proposta de Karl, estaria na verdade criando o maior industrial de folheados de madeira do mundo, que faria da Serra, seu lar por mais de 20 anos.

Após decidir objetivamente pela construção da fábrica, Karl migrou para a cidade de Lemgo também pertencente ao estado de Renânia do Norte – Vestfália. Dois documentos que constam no site do ‘Grup Möhring’ atestam essa informação, porém divergem a respeito da data. Um deles, redigido em alemão, afirma que a instalação da primeira fábrica de produção de Karl ocorreu no final de 1950. Já o outro documento, pesquisado pela coluna Histórias da Serra, escrito em inglês, afirma que a fábrica foi criada em 1952. Uma terceira data consta em um estudo acadêmico da UFES, de autoria de Rosimery Aliprandi Ribeiro, afirmando que o fato ocorreu em 1951. De qualquer forma, todos confirmam que em vista da enorme demanda por madeira e a negativa do concorrente, fez com que Karl ampliasse sua atuação, deixando o comércio para ingressar na indústria.

Em Lemgo, Karl adquiriu um terreno de aproximadamente 20.000 m². A propriedade mais tarde atingiria um tamanho total de 86.000 m², tamanha foi a expansão que procedeu. A localização, ao contrário de seus concorrentes, estava mais próxima de seus clientes do que de matérias-primas. A empresa Marcel Miguet, de Paris, com quem Karl tinha profunda amizade, adquiriu uma participação de 50% e, assim, ajudou a aumentar o capital da empresa.

No início dos anos 50 a fábrica de folheados de Karl foi criada: a Moehring; e mais tarde se tornaria a maior fábrica do gênero na Alemanha e uma das maiores da Europa, consagrando o ex-combatente de guerra como um dos industriais mais poderosos da Europa. Nos primeiros anos, utilizava-se principalmente madeira de proveniência alemã, mas em especial de origem africana. As primeiras máquinas de fatiar toras de madeira foram encomendadas à empresa RFR em Hamburgo, juntamente com todas as outras máquinas e equipamentos.

Chovia dinheiro estrangeiro para evitar o socialismo e Karl agarra a oportunidade

Construção do Muro de Berlim, em 1961

Os anos de 1950 foram marcados pelo intenso trabalho de reconstrução na Alemanha e na Europa pós-guerra. O país recebeu polpudos auxílios das potências capitalistas vitoriosas, com objetivo de segurar o avanço do socialismo pela Europa e pela Ásia. Grande parte dos recursos fazia parte do Plano Marshall, um programa patrocinado pelos Estados Unidos para reabilitar a economia da Europa. Só entre 1946 e 1950, a economia alemã cresce 85%. Recursos que iriam se potencializar com o endurecimento da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, tendo a Alemanha como um dos centros nervosos do mundo, divida em Alemanha Ocidental, que era a face capitalista; e a Alemanha Oriental, sob o modelo comunista.

A fábrica Moehring participou ativamente do aumento da demanda por folheados para a construção civil, mas principalmente para a indústria de móveis e compensados. Além do processamento das toras de madeira de lei realizada em Lemgo, a Moehring usou quase 60% da capacidade de corte personalizado da G.C.Bartels & Sonsin Hamburg, tamanha era a demanda de mercado.

Entre os anos de 1953-1956, Karl se envolveu em atividades de muito destaque. Através de seu relacionamento muito próximo com a empresa J. F. Mueller & Son em Hamburgo, os maiores no setor de corretagem de madeira e importação da Europa, ele conseguiu um contrato com um importante escritório em Paris, na França, que na época controlava todos os movimentos de toras das ex-colônias francesas. O acordo envolvia a entrega de uma quantidade extremamente grande: 100.000 m³ de toras do tipo Okoume – árvore africana que atinge uma altura de até mais de 50 metros.

Em quase uma década de aventuras empresariais de Karl, este foi o maior negócio que se apresentava a ele até então. A oportunidade era boa demais, e Karl decidiu arriscar. Se fazendo valer de uma posição muito especial com o tradicional banco Vereinsbank com sede em Hamburgo, ele conseguiu financiamento para viabilizar a transação. Com o dinheiro assegurado, Karl, com seu instinto de oportunidades especiais, organizou o embarque deste lote em Port Gentil, no Gabão (África) com destino a Europa, contratando navios fretados.

Com o sucesso do negócio, Karl se tornou um parceiro seguro para os franceses transacionarem; condição que abriu ainda mais seu leque para novos negócios. Com esse novo contato, Karl conseguiu um contrato para importações de madeira olmo cinza canadense -madeira durável sob a água, excelente para a construção de barcos e também de móveis. Karl realizou o negócio da mesma forma, por meio de financiamento bancário e navios fretados. As entregas foram feitas inicialmente via Elefant/General Woods & Veneer, em Montreal, no Canadá.

Com todo esse valioso material em mãos, a Moehring utilizou grande parte dessas remessas em sua fábrica em Lemgo, fazendo folheados de madeiras impecáveis, se tornando, na época, o principal fornecedor de muitos compradores em toda a Europa. Da mesma forma, a Moehring tornou-se o maior importador de olmo cinza do Canadá, sendo seu fornecedor Isidor Elefant da General Woods and Veneer em Montreal.

A década de 1950 foi de grandes lucros para a empresa Moehring, que cresceu rapidamente, trabalhando com uma mistura de produção própria em Lemgo, processando laminados personalizados em Hamburgo, bem como importando de laminados da França e um pouco mais tarde também dos EUA.

Durante esses anos, Karl formou várias parcerias nas quais teve o controle acionário, os chamados “satélites”, sua função era a distribuição da produção da Moehring. Consta que Karl dizia: “nem todo mundo gosta do rei, então precisamos de pontos de venda diferentes”. Em dois documentos biográficos, escritos pelo seu futuro braço direito, Michael Boel, constam ao menos sete empresas das quais, Karl fundou em sociedade, tendo ele o controle majoritário das ações.

Nestes anos, Karl torna-se objetivamente um industrial internacional, especialmente no serviço de importação de toras africanas para atender as necessidades da fábrica em Lemgo e as demais empresas, mantendo escritórios de compra de toras na Costa do Marfim, Gana, Gabão, Congo e Nigéria, todos com funcionários da Moehring. Ao longo dos anos, as atividades expandiram com a construção de armazéns de vendas em Hamburgo, Stuttgart e outras importantes cidades alemãs.

Canadá: Karl funda primeira filial estrangeira que seria o embrião da Atlantic Veneer

Da esquerda para direita: olmo canadense, jacarandá brasileiro; e nogueira americana. Principais arvores de madeira de lei utilizadas nos folheados de Karl.

Em 1957 os negócios não paravam de crescer, a demanda pelos produtos do grupo de empresas Moehring gerava grande expectativa de expandir ainda mais os negócios. No entanto esse modelo adotado por Karl importando considerável quantidade de toras de olmo de Montreal, no Canadá, estava esbarrando num limite de operações. Ele reconheceu, no entanto, que precisava ter sua própria base de suprimentos fora da Alemanha.

Então, pela primeira vez desde quando iniciou sua jornada empresarial lá em 1947, partiu para ganhar o mundo, fora dos limites territoriais de seu país de origem. Da cidade alemã de Duesseldorf, ele voou para Londres. Da Inglaterra ele chegou ao destino final: Toronto, no Canadá. Para garantir um fornecimento constante e confiável de olmo cinza canadense, a Moehring comprou uma fazenda de 100 hectares, na cidade de Durham, pertencente ao distrito de Ontário, a 80 quilômetros ao leste de Toronto. Lá, Karl criou a Maple Leaf Veneer, Co.Ltd, que na verdade seria o embrião da futura Atlantic Veneer.

Naquele tempo, não era comum uma empresa alemã constituir uma filial no exterior. Ainda havia restrições nas transações em moeda estrangeira, muitas formalidades de importação, questões remanescentes da guerra, incertezas políticas; e por último, mas não menos importante, uma língua e costumes diferentes, que eram verdadeiras barreiras culturais que dificultavam ainda mais o sucesso no estrangeiro.

Em 10 anos, Karl Heinz Wilhelm Moehring tinha deixado à pequena cidade de Salzwedel com a esposa e a primeira filha, carregando consigo todo o seu patrimônio material, um total de 2.800 m² de folheado de madeira, para se tornar um dos maiores industriais europeus, aos 45 anos, comercializando toneladas de toras e folheados em três continentes diferentes.

A construção da fábrica de folheados nas terras agrícolas que havia comprado começou um ano depois, em 1958. Karl começou instalando equipamentos para corte rotativo, depois acrescentou equipamentos de folheados cortados sob medida, seguida por uma fábrica de compensados ​​e uma oficina de montagem. Em 1960, cortadores de lâminas foram adicionados e um navio foi fretado para transportar mogno africano proveniente da Costa do Marfim até a fábrica canadense. O mogno africano é uma árvore que pode chegar a 50 metros de altura e sua madeira é bastante durável, usada para fazer muitas coisas, como móveis e painéis. Em 1961, outro sócio, representado pelo Dr. Von Thadden, ingressou na empresa junto com Karl, o que injetou mais recursos na expansão da empresa.

Assim, a Moehring tornou-se o maior exportador de toras de olmo cinza e vermelho, bem como toras de nogueira, do mundo, todas destinadas ao corte personalizado em Hamburgo. Durante os primeiros anos no Canadá, as atividades continuavam a expandir muito, o que fez Karl Heinz Moehring atuar fortemente na África, para garantir o envio de matéria-prima para as diversas fábricas. No continente africano, Karl adquiriu uma concessão florestal perto do Porto do Cabo Palmas, na Libéria, país da África Ocidental.

A filial de lá, da qual Karl era acionista, era a Maryland Logging Company, que se tornou a principal fornecedora de toras para Lemgo, na Alemanha, mas também para clientes em toda a Europa. Foi o próprio Karl que supervisionou pessoalmente essa complexa operação que esbarrava nas dificuldades daquele tempo naquela parte do mundo. A aventura de Karl pela África foi bastante rentável, porém a complexidade que envolvia a concessão floresta pesou, e três anos depois, em 1963 foi vendida para uma empresa nigeriana.

EUA é a bola da vez: surge a Atlantic Veneer Corporation

Navios desembarcando toras de madeira no Porto de Vitória, para alimentar a Atlantic Veneer. Foto: acervo pessoal de Samuel Dias.

Em 1963, a divisão de compensados ​​da fábrica canadense de Karl, a Maple Leaf Veneer, tornou-se a maior cliente da empresa Abitibi Power & Paper Comp, que também funcionava em Ontário. O grupo que controlava a Abitibi se interessou pela fábrica de Karl. Com as conversas avançadas, o alemão decidiu vender a fábrica canadense, mudando o nome da Maple para Interforest que existe até hoje. O que se mostraria um negócio duvidoso.

Isso porque entre as cláusulas de venda para a Abitibi, a Moehring celebrou um acordo de não concorrência com relação à fabricação de folheados no Canadá. Moehring poderia continuar comprando e vendendo toras para exportação. Porém Karl tomou uma verdadeira ‘rasteira empresarial’, pois no final de 1963, meses depois de vender a fábrica, começou a circular rumores de que os EUA imporiam um embargo de exportação de toras da árvore do tipo nogueira americana. Essa normativa significaria muitas perdas para Karl, que sem a nogueira americana, não conseguiria alimentar de matéria prima suas fábricas e clientes europeus.

Semanas depois, os rumores se mostraram verdadeiros, e da noite para o dia, o Grupo Moehring na Alemanha ficou sem fornecimento dessa espécie, que na época era tida como o tipo mais importante. Em março de 1964, depois de amargar dificuldades com o fornecimento de matéria prima para a Europa, Karl toma a decisão de se mudar para os Estados Unidos e abrir uma fábrica para a produção de folheados de nogueira americana para exportar a Europa. O novo desafio, demandava uma vasta área; Karl, então, adquiriu 40 hectares de terra em Beaufort, no estado da Carolina do Norte. E foi assim, na sequencia de maus negócios que a Atlantic Veneer Corporation foi fundada. Ela começou a fabricar folheados no final do mesmo ano, em 1964.

O conceito da Atlantic Veneer Corporation previa inicialmente uma planta pequena, com no máximo duas fatiadoras de toras. Mas durante os 10 anos seguintes, a fábrica tornou-se a maior indústria de folheado de madeira e produtos de madeira compensada fabricados nos EUA. Seu produto laminado foi vendido a todas as partes do mundo, onde o nome Atlantic Veneer ficou conhecido como líder do setor.

Um dos maiores industriais do mundo no setor de madeira vem morar na Serra em pleno 1968

Atlantic Veneer ainda em fase de expansão. Ao fundo já dá para ver Chico City.  Imagem do acervo pessoal de Samuel Dias.

Em 1968, além do folheado de madeira das espécies de árvores americanas, o folheado feito de madeira brasileira estava muito na moda nessa época. No Brasil o jacarandá e o mogno real eram os mais vendidos para a indústria moveleira internacional. A Moehring tinha um escritório de compras na cidade de Vitória/ES, localizado perto do Porto de Vitória que prestava serviços regulares para a Europa.

As toras estavam sendo enviadas da capital capixaba, principalmente cortadas, sem seiva para a planta de corte personalizado da Nadge&Neffen em Hamburgo. Além disso, a Moehring tornou-se o maior cliente da então única laminadora de exportação brasileira, a MASUL. S.A. em São Paulo, de onde enviava mensalmente grandes quantidades de laminado acabado.

Há algum tempo o Brasil tenta aumentar seu volume de exportação, permitindo apenas que os produtos manufaturados escoem para o exterior, agregando valor às suas matérias-primas. Como esperado, em 28 de fevereiro de 1968 o Brasil impôs um embargo total de toras, permitindo que apenas produtos manufaturados de madeira saíssem do país. Em meio à confusão, temendo que essas novas regras gerassem mais uma escassez de material produtivo, Moehring e sua esposa Ilse Moehring vieram para Vitória, garantir que as toras que eles ainda tinham nas docas de Vitória fossem enviadas para a Europa.

Poucas horas depois foi noticiada a confirmação do embargo, que entraria em vigor a partir da meia-noite de 1º de março de 1968. Encantados com o Brasil, naquele dia, Karl Moehring e sua esposa tomariam uma decisão que mudaria absolutamente a história de formação urbana da Serra: o casal se mudaria para o Espírito Santo e construiria uma fábrica de folheados de madeira em um local que haviam visto, cerca de 10 km fora de Vitória, numa cidade chamada Serra. O local atual seria toda aquela região que compreende o Supermercado Atacadão, os conjuntos habitacionais da MRV, a faculdade Multivix, até chegar ao interior mais movimentado de Colina de Laranjeiras.

Estava ali sacramentado um dia e um ano para recordar na história do Grupo de Empresas Moehring e na história da Serra: em apenas 106 dias, o primeiro folheado em madeira rosewood estava sendo cortado, primeiramente seco ao ar, já que os secadores de folheado demoraram a chegar. Os anos seguintes foram anos de trabalho árduo, mas também de sucesso. Com a aquisição de mais terreno adjacente à planta inicial, a operação da Serra cresceu e a Atlantic Veneer do Brasil, S.A. se tornaria em sua fase final a maior fabricante de folheados do planeta.

Karl Moehring e a Serra moderna: uma história umbilical

Anúncio de emprego da Atlantic Veneer publicado em jornal na época. Imagem: Acervo pessoal de Samuel Dias.

A Atlantic chega a Serra em 1968 em um contexto muito diferente do atual. A Serra era predominantemente agrária e não chegava a 15 mil habitantes. Serra Sede era o coração comercial do município, e toda essa região de Laranjeiras era um matagal. Só para se ter uma ideia, a Atlantic é percussora do CIVIT I, que se instalou somente em 1974, seis anos depois da chegada de Karl. Laranjeiras foi criada em decreto no ano de 1975 e inaugurada somente em 1978, 10 anos depois da instalação da Atlantic Veneer do Brasil.

Como não havia moradias e mão de obra suficiente, a empresa construiu duas vilas para seus operários, uma muito próxima à empresa, que era destinada aos gerentes e postos de chefia, como diretores e empregados da administração da empresa. Essa vila ficou conhecida como Chico City e contava com 115 casas. O local existe até hoje, pertence formalmente à massa falida da empresa e foi anexada ao bairro Colina de Laranjeiras. Para os empregados do chão de fábrica, foi destinada uma área mais afastada que possuía casas com um padrão inferior, feitas de tábua e ficou conhecida como Chicópolis com 380 residências geminadas, que acabou demolida durante o processo de declínio da empresa. Além dos conjuntos, a Atlantic construiu igreja, escola e mercado. Além de outras benfeitorias.

Alguns ex-funcionários da Atlantic vivem até hoje em Chico City e lutam pelo reconhecimento de suas moradias. Há também aquele que tiveram contato direto com o alemão. Um deles é o morador da Serra, Samuel Dias, que prestou uma fundamental contribuição para a realização desse texto. Samuel trabalhou na área contábil; ele disse que Karl tinha como principal característica a retidão e as poucas palavras. Entretanto, quando falava, era sempre educado.

Samuel explica que Karl prezava pelo trabalho familiar; normalmente, quando ele contratava algum funcionário, ele estendia o convite para a esposa e os filhos, caso já tivessem idade para o trabalho. O alemão dormia muito pouco, pois estava submetido a diversos fusos horários, já que a empresa atuava em várias partes do mundo. Ele acordava por volta das 3h da manhã e iniciava sua jornada de trabalho. Geralmente às 17h ele se recolhia para sua residência.

Aliás, a residência é um espetáculo a parte; existe até hoje e compreende um terreno, contendo cerca de 35 mil m² que fica localizado vizinho de muro ao supermercado Atacadão. Muro alto e pintado de branco; atualmente pertence ao empresário Ronaldo Campos, da RDG Aços do Brasil. O terreno é composto com três luxuosas casas de alvenaria e madeira de lei com ares coloniais, piscina, pomar e vasta área verde. Hoje em dia, o terreno tem um valor difícil de ser mensurado. Se for excluir a belíssima construção, somente o terreno tem valor de mercado de 1.2 mil/m², o que daria algo em torno de R$ 40 milhões. Não há sombra de dúvida que essa residência, que pertenceu a Karl Moehring é a mansão mais cara em solo serrano e um das mais valorizadas do Espírito Santo.

No complexo residencial de Karl, morava ele e a esposa, além de mais três funcionários do alto escalão: os alemães Michael Boel e Wolfgang Bernderwin e o americano naturalizado brasileiro, Estevão Nickmann. Todos eles de total confiança de Karl e que migraram para o país junto com ele.

Samuel Dias conta que Karl conseguia se comunicar em português, não chegava a ser 100% fluente, mas entendia a língua e sabia ser entendido por aqueles que o cercavam. Além disso, a cultura organizacional na empresa era ditada pelas características do alemão, de disciplina, rigor e boas práticas. Por ter um nome difícil de ser pronunciado pelos brasileiros, Karl era chamado de ‘Seu Meira’ ou ‘Velho Meira’ entre os funcionários. Samuel lembra que Karl nunca tocava em assuntos pessoais e não deu sinais de comportamento associado ao nazismo. Mas que nem por isso, deixava de fazer cobranças, das quais era extremamente rigoroso com a qualidade do serviço, em especial no cumprimento do horário de trabalho.

Karl também tinha o costume de passar pessoalmente em Chico City ou em Chicópolis para ver se os conjuntos residenciais estavam precisando de alguma reforma. A Atlantic era a responsável por todo o investimento, desde a água, energia, manutenção, até troca de  lâmpada; bastava o morador fazer uma requisição no protocolo da empresa que uma equipe iria fazer o serviço. Para efeitos trabalhistas, a empresa cobrava um aluguel de seus funcionários, que segundo Samuel, se fosse convertido para os dias de hoje, seria algo próximo de R$ 50.

Karl estava sempre acompanhado da esposa, Ilse, com quem andava lado a lado pela empresa. Samuel lembra que um dos netos de Karl e Ilse, chamado Christian Weygoldt, passou um tempo na Serra, pegando experiência para voltar aos EUA. Seu Meira, como era chamado, empregou uma geração inteira de serranos. No auge da empresa, entre 1970 e 1980, a empresa contava com 5 mil funcionários diretos. A Serra, nesta época, tinha aproximadamente 50 mil habitantes. Numa análise mais grossa, 10% do município estava a serviço de Karl.

Em uma das entrevistas feitas em 2009 que constam no trabalho de mestrado da acadêmica Rosimery Aliprandi Ribeiro, uma das ex-funcionárias da empresa, que não teve o nome revelado, afirmou: “cheguei aqui em 1979 e pensava que esse negócio da Atlantic não acabava não, pois aqui tinha 12 carros e 12 ônibus de ‘puxar’ funcionário. Fora os daqui, da Serra, de Laranjeiras, de Vitória, de Taquara, tinha gente de todo lugar […] A firma tinha quatro mil e quinhentos funcionários”, disse a entrevistada. Relato este, similar ao que contou Samuel Dias.

Apesar de não ter sido reconhecida pelos salários que pagava, a Atlantic era vista como uma oportunidade de trabalho e de carreira. Todas as segundas-feiras se formava uma fila com 200 a 300 pessoas em busca de trabalho. E quem tinha bons resultados, Karl dava oportunidade de crescimento na empresa. Em um quadro na entrada dos escritórios administrativos, Karl mandou exibir a informação de que a Atlantic era considerada a maior empresa de folheados do planeta.

Complexo de mansões construído para abrigar Karl, Ilse e altos funcionários. O local permanece vivo até hoje, atualmente pertence ao empresário Ronaldo Campos. Fica localizado ao lado do Atacadão, na BR-101.

No trabalho da acadêmica Rosimery Aliprandi Ribeiro, que prestou uma importante contribuição histórica a Serra, ela conversou em 2010 com antigos moradores de Chico City que conviveram com Karl. A pedido dos entrevistados, nenhum nome foi revelado, mas é possível constatar uma relação paternal com a figura do industrial e os moradores dos dois conjuntos habitacionais criados pela empresa. Segue trecho na íntegra:

Perguntada sobre a relação com o dono da empresa, uma ex-empregada diz que não tinha problemas e que “[…] se a empresa abrisse de novo, eu era a primeira a voltar a trabalhar lá!”. E ainda na fala de um morador de Chico City que trabalhou durante muitos anos na empresa: “O homem [Karl] não podia ver ninguém querendo trabalhar que ‘fichava’, o homem era bom demais!”. Situação semelhante pode ser identificada na fala de outra ex-operária: “[…] nesse ponto a empresa era muito boa, dava emprego pra família toda, não importa se era analfabeto, menor de idade… todo mundo trabalhava! Antigamente, no Chicópolis, não existia menores nas ruas, todos trabalhavam!”.

Clientes de todo o mundo vinham a Serra com objetivo de negociar com Karl; a cada 3 meses a empresa recebia o carregamento de quatro navios de toras de madeira, vindos em sua maioria da África e da Europa, era um verdadeiro caos no Porto de Vitória, que precisava de semanas para descarregar os navios, fazendo com que vários caminhões circulassem por dentro do Centro de Vitória. Na fábrica da Serra eram feitos lâminas de madeira que serviam para fabricação de várias coisas, como pisos, móveis e revestimentos. O mercado alvo era o exterior, em especial o norte americano. Mas também foi vendido para Alemanha e para o mercado interno. Além das toras vindas do exterior para serem beneficiadas na planta industrial capixaba, a Atlantic também fez cortes na Serra, no norte capixaba e no sul da Bahia.

Nos anos seguintes a 1968, mais duas fábricas foram inauguradas, Itacoatiara no Amazonas, próximo a Manaus e em Várzea Grande, no Mato Grosso. Também foram operados escritórios de vendas e armazéns, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Belo Horizonte. Entre todas as localidades, o Grupo Moehring em seu auge empregou um total de aproximadamente 9.500 funcionários em todo o mundo.

Karl e Atlantic colecionaram polêmicas e controvérsias

Em 2003 a Atlantic já estava inoperante; em 2022 cenário urbano engoliu as áreas remanescentes.

Na época, a empresa não era unanimidade; na verdade havia um intenso questionamento a respeito das condições de trabalho na fábrica. Como as máquinas de fatiar eram extremamente afiadas, ocorreram muitos acidentes de trabalho com dedos e membros decepados. Além disso, havia muitos questionamentos a respeito do corte indiscriminado de árvores no Espírito Santo. A empresa era acusada de desmatamento e acumulava dívidas trabalhistas e de ordem fiscal.

Karl tinha uma especial richa com os sindicatos de representação operária; havia uma atividade muito forte de líderes que posteriormente ocuparam cargos políticos, como por exemplo, Brice Bragato, que foi vereadora da Serra e deputada estadual. Ela ficava a frente de parte dos movimentos sindicais que questionavam a empresa quanto às condições de segurança e aos baixos salários.

Volta e meia a Atlantic ainda surgia nos jornais com notícias de impactos ambientais, poluição e acusações sobre sonegação fiscal. Entre os jornais mais aguerridos da época, que miraram na Atlantic foi o extinto jornal Posição, criado na segunda metade da década de 1970 que se notabilizou no ES pela oposição a ditadura militar; e tinha como diretor de redação o jornalista Rogério Medeiros, que no futuro fundaria o jornal online Século Diário.

O jornal Posição fazia uma série de acusações à empresa e aos altos funcionários; na edição número 10, publicada no dia 11 de abril de 1977, um texto relacionava a empresa a campos de concentração nazista:

“Consta que, nos idos da década de trinta, os burgos mais próximos de Belsen, Buchenwald ou Dachau não sabiam de sua existência. O sigilo, total e rigorosamente observado, que cercava aqueles campos de concentração de triste memória era tal que nem seus vizinhos tinham conhecimento. Tais eram os métodos no tempo da Alemanha de Hitler. Consta que, no município da Serra, por detrás dos grossos portões de aço que guardam a entrada da Atlantic Veneer, escondem-se cenas pouco edificantes. Consta que menores, abandonados e marginalizados, são forçados a enfrentar pesados horários de trabalho adulto por salários infantis.”

O mesmo texto ainda ataca o braço direito de Karl, o alemão Michael Boel, que assina o texto biográfico de Moehring que foi utilizado como referência cronológica para esta reportagem. O jornal insinuava que Michael foi da SS, a tropa de elite de Hitler. Segue na íntegra:

Consta que o diretor-presidente da empresa, herr Michael Boel, tem certo prazer em divulgar que foi oficial das SS nazifascista. Consta que ele fala em alemão com alguns de seus funcionários graduados. Em outra caracterização de Michael Boel dado pelo jornal, ele é citado como “autoritário”.

O Jornal Posição ainda diz que em 1977 circulava boatos de que a empresa iria desmatar o quanto possível e ir embora do Brasil: “existe o boato de que a opulenta empresa estaria se preparando para, depois de depredar sistematicamente o manancial de madeiras existentes na região, fazer as malas e abandonar o Estado. Talvez para o Amazonas, talvez de volta para Beaufort, Estados Unidos, onde funciona a matriz”.

Além disso, o Jornal afirma que a empresa recebeu vultosos benefícios fiscais e não cumpriu com a agenda de investimentos prometida. Ainda levanta suspeita a respeito de fraudes na exportação: “As mercadorias para exportação são conferidas em seus galpões, e não no Porto. Dessa forma, os órgãos oficiais de controle ficam sem condições de controlar coisa alguma. O que é exportado, para quem é exportado e a que preço é exportado? Consta que as mercadorias se destinam à matriz norte-americana, de onde seriam reexportadas para outras partes do mundo. Caso esse seja, efetivamente, o esquema da empresa as razões são claras: exportando para sua própria matriz, poderia fazê-lo a preços mínimos permitidos, gozando assim de tarifas alfandegárias também mínimas e de lucros máximos, mas já em dólares, nos Estados Unidos.”

Na mesma edição o Jornal diz que mesmo com as proibições de exportação do jacarandá brasileiro, a empresa continuava a fazê-lo: “Considerando que a madeira de jacarandá é de difícil e demoradíssima reposição (de 50 a 400 anos), o próprio governo brasileiro qualificou-a de “matéria-prima rara, insubstituível e essencialmente nacional”, determinando a proibição de exportação de jacarandá na forma de “sandwich”: ou seja, como nome indica, imprensada entre outros tipos de madeira comum. A Atlantic Veneer, ao que parece, não tomou conhecimento da proibição, continuando a exportar as preciosas madeiras como “sobras de laminação”.

Comumente, a Atlantic era pintada como uma empresa predatória, impactante, descuidada e que estava sugando o patrimônio ambiental do Brasil. Além disso, pairavam essas insinuações a respeito das origens nazistas de alguns de seus diretores, entre eles, Karl. Todos esses questionamentos são legítimos, assim como os benefícios e as barreiras que foram rompidas por meio do pioneirismo da empresa na Serra. Como dito acima, esse é o mundo real, e não uma história de ficção que delimita perfeitamente o ‘bem e o mal’ destacando a dicotomia que existe entre eles.

Declínio da Atlantic, decepção de Karl com Collor e volta aos EUA

Samuel Dias e um colega registrando a chegada da madeira do Amazonas, ano de 1987. Foto: acervo pessoal de Samuel Dias.

Os anos se passaram e a Atlantic Veneer do Brasil ampliou sua operação no Brasil. Mas já convivia com alguns dos problemas citados acima. Outro ponto que causava dificuldades a empresa era o desenvolvimento da legislação ambiental. Durante a eleição de 1989, Karl era um apoiador local do então candidato a presidência, Fernando Collor de Melo. Como o industrial tinha profundas disputas com os sindicatos operários, ele enxergava o candidato Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, como uma ameaça a sua atividade.

Consta que quando Collor foi anunciado como vitorioso, Karl teria entrado no escritório da administração e dito: “vencemos a eleição”. No entanto, as primeiras medidas de Collor foram uma decepção pessoal para Karl. De acordo com Samuel Dias, funcionários que tinham contato direto com ele afirmaram que ele ficou muito desmotivado e anteviu que o governo seria uma catástrofe administrativa, perdendo o interesse no país.

Depois de trabalhar e morar por mais de 20 anos no Brasil, nas primeiras semanas de Governo Collor em 1990, Karl Heinz Moehring e sua esposa decidiram voltar para os EUA. Ele levou consigo alguns dos funcionários da Serra, que até hoje são residentes americanos. Na Serra, o bastão foi passado para o catarinense Fridolino Hoffman, que exercia a função de chefia direta depois de Karl, passando a residir na mansão ao lado da empresa, em que o alemão viveu por mais de duas décadas.

Em Beaufort, Carolina do Norte, a fábrica foi ampliada e modernizada para acompanhar as estruturas e os mercados em constante mudança. Apesar da Atlantic Veneer do Brasil ser uma filial, era maior e mais produtiva que a matriz americana. Com Karl se mudando para os EUA, a intenção passou a ser inverter as ordens de importância das empresas, dando mais ênfase na matriz americana, do que a filial brasileira.

Naquele momento, politicamente, o mundo estava mudando com a reunificação da Alemanha e a abertura da Europa Oriental. Moehring viu novas oportunidades. Ao mesmo tempo, o estilo e a moda dos móveis, utensílios de escritório e lojas estavam mudando, especialmente também o fluxo de materiais e produtos. A Ásia tornou-se um novo mercado, mas também um novo concorrente; madeiras claras estavam em demanda em maior quantidade do que antes. Com a independência dos Estados Bálticos, a Moehring começou a pensar em uma nova unidade de produção na Estônia.

Já em 1992, ele e seus associados mais próximos viajaram para a Estônia, que há mais de 70 anos estava sob o regime comunista. As ameaças da Rússia, a interrupção do fornecimento de gás natural, eram todos sinais de que ainda não era tempo de fazer um investimento considerável. No entanto, ele havia adquirido uma propriedade industrial fora de Tallinn (capital da Estônia), o que se caracterizou como a primeira venda direta de terra para um investidor estrangeiro (no regime comunista da Estônia a propriedade privada havia sido proibida por gerações).

Em 1997, Moehring vendeu sua fábrica de folheados e compensados ​​na Amazônia para um grupo de investidores da Malásia. Em agosto do mesmo ano, começou a construção da nova fábrica de folheados na Estônia, chamada A. S. Balti Spoon na vila de Kuusalu.

Apenas oito meses depois foi iniciada a produção, o que significou construir a fábrica e instalar os equipamentos durante os rigorosos meses de inverno tão comuns naquela parte do mundo. A A. S. Balti Spoon é especializada na produção em larga escala de corte rotativo e fatiado a partir de toras daquela região.

Morre Karl Heinz Wilhelm Moehring, o maior industrial da história da Serra

Ilse Maria Moehring, 93, de Hamburgo, Alemanha, ex-Beaufort, faleceu, quarta-feira, 13 de maio de 2015 na Alemanha.

Segundo escreveu Michael Boel, houve um tempo, enquanto o projeto em Kuusalu, na Estônia, estava sendo considerado, em que muitos de seus associados próximos diziam que Moehring não deveria assumir o fardo e as responsabilidades adicionais de um novo empreendimento, especialmente em sua idade avançada. Em 1997 ele tinha 75 anos.

Mas Karl não quis ouvir nenhuma conversa de idade, ele escutava as opiniões, mas no final dizia: “eu decido”. E assim ele fez. O alemão estava particularmente orgulhoso do fato de que a expansão estava sendo financiada com recursos próprios, sem financiamento externo. No outono de 2003, aos 81 anos, a vida de Karl Heinz Wilhelm Moehring chegou ao fim. Ele sofreu uma longa doença, mas quis fazer parte do dia-a-dia de suas empresas até seus últimos dias. Michael Boel não detalha sobre qual doença especificamente tirou a vida do industrial.

Segundo escreveu Michael Boel, Karl “viveu sua vida fiel a princípios antiquados, como trabalho duro, diligência, disciplina e parcimônia”. Seus sucessores são seus dois netos, Christian e Hans Weygoldt. Atualmente o Grupo Möhring é composto pela matriz Atlantic Veneer Company LLC (EUA), Veneer Tech (EUA) e as subsidiárias Lubelski Fornir Sp. z oo (Polônia) e Baltrec GmbH (Alemanha).

Sua companheira, Ilse Maria Moehring, morreu em 13 de maio de 2015, aos 93 na Alemanha. O site americano Mundem Funeral Home publicou um obituário dela que dizia: “Sra. Ilse Moehring havia se dedicado à família e atuava na parte operacional da empresa nos EUA e no Brasil [Atlantic Veneer]. Seu conselho e avaliação de questões foi parte integrante do processo de tomada de decisão. Sua opinião e sabedoria eram muito procuradas por aqueles dentro da família e fora dela”.

O texto segue detalhando um pouco sobre Ilse: “ela foi abençoada por ter uma família tão grande, especialmente vendo como seus netos se tornaram tão bem sucedidos em continuar a tradição familiar de sua sede em Beaufort, Carolina do Norte. Sua longa e bem sucedida vida repleta de aventuras, devoção ao marido, à empresa e à família chegou ao fim após 93 anos. Sentimos sua falta e somos gratos por toda sua generosidade e amor”.

Karl e Ilse deixaram duas filhas: Barbara Handley e seu marido Geroge, dos EUA; e Sylvia Weygoldt e seu marido, Prof. Dr. Peter Weygoldt da Alemanha. Netos: Christian Weygoldt, Katharina Weygoldt, Anna Weygoldt, Hans Weygoldt e esposa Calista; bisnetos, Lukas, Jadranka, Patrick, Sebastian, Luisa, Gabriel, Charlotte, Johannes e Little Hans.

Já a Atlantic Vener do Brasil e seus milhares de funcionários perderam seu líder maior, o empreendedor pós-guerra que começou em Hamburgo, no longínquo anos de 1947. A empresa perdeu importância no grupo Moehring para a matriz americana; além disso, não conseguiu se adaptar ao avanço da legislação ambiental brasileira; e foi tomada por dívidas com Estados, União e compromissos trabalhistas, alguns dos quais conseguiu arcar e outros não. A Atlantic Veneer do Brasil decretou falência formalmente em 2005, depois de 37 anos de atuação na Serra. Ao todo, estima-se que somente na planta industrial capixaba, passaram mais de 20 mil pessoas. Essa estimativa tem como base o número de série de cada funcionário, que ao ser contratado recebia um número correspondente.

Apesar de falir somente em 2005, desde o início dos anos 1990, quando Karl voltou para os EUA, as dificuldades foram aparecendo. A produção começou a perder ritmo e já em 1998 entrou em concordata. Toda a área da empresa entrou para a massa falida, que após um longo processo judicial foi a leilão, sendo arrematada pela MRV Engenharia, que depois venderia algumas áreas para outros empresas, como a Multivx e o Atacadão, por exemplo. A última área remanescente da massa falida da empresa é o conjunto residencial de Chico City, que já foi a leilão três vezes.  Nota: Não é o objetivo final desse texto esmiuçar os detalhes que envolvera a Atlantic Veneer e Chico City, para isso o leitor pode conferir clicando aqui.

Mesmo diante das controvérsias e polêmicas, em especial as questões relacionadas ao nazismo, ao seu modo, Karl foi um dos maiores protagonistas em 466 anos de história da Serra. Implantou uma empresa, que viria a figurar entre as cinco maiores do Espírito Santo, em um período que a Serra era somente um território vassalo a Vitória. Em especial a decisão de residir na Serra, é uma das características mais interessantes desse enredo; não é exagero afirmar com segurança, que se trata do homem mais rico que já residiu na cidade, resguardada às proporcionalidades de cada época. Karl empregou pessoas, produziu riqueza, sustentou famílias, deu moradia e dignidade a tantas gerações de serranos, inspirou empreendedores, desmatou, poluiu, sonegou, e deixou muita gente na mão. Essa é a história real de um homem que marcou para sempre uma das cidades mais antigas do Brasil, a Serra, fundada por um padre e um índio em 1556.

Referências bibliográficas: Este texto é um trabalho autoral, realizado em grande parte por meio do acervo do Jornal Tempo Novo, que acompanhou a Atlantic Veneer desde 1983; além disso, dois textos pequenos, porém imprescindíveis foram a base para a cronologia da vida de Karl Moehring, ambos escritos pelo seu braço direito, o alemão Michael Boel, um redigido em inglês e o outro em alemão. Os dois textos se complementam. Outra importante contribuição veio do morador da Serra e ex-funcionário da Atlantic Veneer por mais de 20 anos, Samuel Dias. Ele trabalhou no setor contábil da empresa e teve contato direto com Karl, além de ser um estudioso sobre a empresa e seu então dono. Além dessas fundamentais bases, o texto contou com informações colhidas do trabalho de mestrado da acadêmica Rosimery Aliprandi Ribeiro, que tem um valor histórico único, com o título Formação Sócio-espacial da antiga vila operária de Chico City, região Metropolitana da Grande Vitória, Espírito Santo – UFES/2011. Também foi utilizadas publicações de jornais como o extinto Posição nos anos 1977; e o mato-grossense ‘O Jornal’ e o ‘Estado de Mato Grosso’, nos anos de 1971 e 1972. Também foram utilizadas informações que constam em processos judiciais e sites estrangeiros.

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