Mestre Álvaro

Opinião | Serra precisa debater esticada da Sudene para não perder o bonde – argumentos não faltam

Vista da região do Civit I, um dos polos de investimentos industriais e logísticos da cidade. Foto: Divulgação/ Sagrillo

No final de 2021, a cidade de Aracruz ganhou um presentão: passou a fazer parte das áreas de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), que também incluiu as cidades de Itarana e Itaguaçu. Com isso, criou-se um cenário ainda mais propício para um salto no desenvolvimento econômico e social na região.

Aracruz fez certo… cumpriu com o dever de casa e tratou o assunto como política de estado. Para quem não conhece, a Sudene é um prato cheio para qualquer investidor, pois as empresas que se instalarem nas áreas de abrangência tem direito a pleitear linhas de crédito facilitadas oriundas dos fundos regionais FNE e FDNE, além de incentivos fiscais generosos. É antes de tudo uma ferramenta poderosa para atrair investimento.

Diante disso, é esperado que o município receba mais empresas que vão redundar obviamente em oferta de empregos. Na verdade, já é o que vem acontecendo. De acordo com dados do Ministério da Economia, apenas em janeiro e fevereiro deste ano, Aracruz criou 1.168 novos postos de trabalho; a título de comparação, a Serra que é 5x maior em número de habitantes, criou 1.519 no mesmo período.

Aracruz já é uma cidade que possui posição geográfica privilegiada e uma das melhores infraestruturas logísticas do Espírito Santo; a própria Prefeitura de Aracruz, eufórica, na época, afirmou institucionalmente em seu site que com a inclusão na Sudene, transformaria a cidade em “uma potência econômica”, o que tem tudo para acontecer.

Além da gigante da celulose, a Suzano, Aracruz tem um foco grande no setor portuário, principalmente com as obras do Porto da Imetame e o futuro Porto de Barra do Riacho, além do desenvolvimento dos empreendimentos já instalados, como o Estaleiro Jurong, Portocel, Terminal Aquaviário de Barra do Riacho (TABR) e Terminal de Barcaças da Suzano. Por isso, esse clima de euforia com a Sudene é justificável. Aracruz tem tudo para se consolidar como o maior polo portuário do ES e competir com força no setor de logística com a Serra.

O processo que culminou na consolidação dessa realidade foi longo e penoso (inclusive com veto presidencial e derrubada do mesmo pelo Senado), já que nacionalmente existe um lobby da bancada nordestina contra a inclusão de cidades ‘sudestinas’; uma vez que tal iniciativa pode promover um efeito migratório de fuga de investimentos para fora do Nordeste brasileiro. A proposta só avançou devido à força política de Minas Gerais, que foi beneficiada com inclusão de 78 cidades no mesmo projeto que estendeu a Sudene para Aracruz.

A Serra precisa ficar atenta a esse cenário para não perder o bonde da economia; e argumentos não faltam para sustentar o começo de um debate sobre a legitimidade de incluir a Serra na área de abrangência da Sudene. Pois, se tal ferramenta foi criada para equilibrar as diferenças econômicas e sociais, basta analisar a Serra em suas características sociais, de formação histórica, e em suas proporcionalidades econômicas e orçamentárias.

Sudene: origem

A Sudene foi criada nos anos 80 como uma forma de intervenção no Nordeste, com o objetivo de promover o desenvolvimento da região. Havia a percepção de que, mesmo com o processo de industrialização, crescia a diferença econômica e social entre o Nordeste e o Centro-Sul do Brasil. Tornava-se então necessário, uma intervenção direta na região Nordeste. Com o passar dos anos, entendeu-se que as cidades banhadas pelo Rio Doce tinham características socioeconômicas semelhantes e aos poucos demais municípios mineiros e capixabas foram sendo integrados a Sudene.

10 motivos que legitimam esse pleito

Listamos 10 motivos que justificariam a Serra na Sudene, levando em consideração comparações com municípios capixabas que já estão inclusos. Além disso, elencamos razões que legitimam políticas de incentivo econômico como forma de garantir o aprimoramento da qualidade de vida e a proteção social. Vem sendo afirmado ao léu que a Serra é uma cidade rica, porém, trata-se de uma meia-verdade.

01 – Projeção preocupante: um milhão de habitantes

Estimativas do IBGE indicam que nos próximos 10 anos a Serra vai ser a primeira cidade a atingir o quantitativo populacional de 1 milhão de habitantes. Nas audiências dos PDM que atualmente vem sendo feitas na Serra, a própria Prefeitura acredita que a cidade vá atingir esse índice populacional antes mesmo desse prazo. Esse dado é absolutamente expressivo e carece de muita atenção e responsabilidade de futuro por parte do poder público; isso porque a demanda por serviços públicos vai ter um crescimento exponencial e a arrecadação, puxada pela atividade econômica, precisa crescer na mesma proporção.

02 – Formação histórica: cidade mais nordestina do ES

A Serra sem dúvida nenhuma é a mais nordestina de todas as cidades capixabas; a prova disso é a própria formação histórica. Há poucos mais de 50 anos éramos apenas 17 mil serranos. Hoje a cidade já ultrapassa o meio milhão de pessoas. Parte expressiva desse processo se deu por meio de migrações das regiões baianas e mineiras. A Serra é a cidade da oportunidade e abraçou (e continua abraçando) todas essas populações que buscaram uma vida melhor e mais digna. O Ethos da Serra passa necessariamente pela migração nordestina.

03 – Pobreza urbana: maior demanda social do Estado

A Serra tem cerca de 150 mil pessoas na linha da pobreza, esses dados são extraídos com base no Cadastro Único, o CadÚnico, que possui 30 mil famílias cadastradas. O fator multiplicador oficial no Brasil é de 4 pessoas, o que chega nessa estimativa de 150 mil pessoas em situação de pobreza. Só para se ter uma ideia, a quantidade de pessoas classificadas na linha da pobreza para baixo é maior do que a população total da cidade de Aracruz. De acordo com estimativas do IBGE, em 2020, Aracruz tinha 103 mil habitantes. Esse quantitativo de famílias na linha da pobreza cria um fosso na demanda por saúde, educação e assistência social.

04 – A Serra não é rica igual dizem: Orçamento per capita entre os piores

Quando se trata de Orçamento público, a Serra figura na 2ª colocação no ranking capixaba; em 2021 arrecadou R$ 1.7 bilhão, perdendo apenas para Vitória (R$ 2.2 bilhões). Já Aracruz está em 7º, com receita arrecadada total de R$ 620 milhões; Porém, a realidade muda bruscamente, quando observamos esses dados na ótica proporcional. Pelo filtro de receita per capita (orçamento total dividido pelo número de habitantes) a Serra sai da 2ª colocação desce para a 70ª (R$ 3.243,99/pessoa). Já Aracruz também cai, mas bem pouco, da 7ª para a 9ª (R$ 5.924,48/pessoa). Portanto, na prática, a Serra tem menos dinheiro do que Aracruz para cuidar da sua cidade e de sua população.

05 – Saúde: maior demanda no estado

Na aplicação de dinheiro da Saúde, em 2021, a Serra investiu R$ 196 milhões, sendo novamente a 2ª do ranking; Linhares (que também está na Sudene) aparece em 3ª com R$ 152 milhões e Aracruz em 6ª colocação com R$ 62 milhões de investimentos. Entretanto, novamente, analisando o ranking per capita (que na prática é o que dá a proporção real), a realidade volta a ser mais dura com a Serra, que caí lá para a posição de número 64; enquanto Linhares fica no 4º lugar e Aracruz na 25º. Não se trata de uma diferença banal, enquanto Linhares consegue investir um orçamento per capita de Saúde no volume de R$ 846,82; a Serra mesmo com maior Orçamento total, não consegue chegar nem na metade: R$ 366,40.

5.1 – Isso se explica pelo fato da Serra ter a maior estrutura em Saúde pública municipal do Espírito Santo. São mais de 100 equipamentos de saúde entre os quais podemos citar: três Unidades de Pronto Atendimento, seis Unidades Regionais de Saúde; mais de 3 dezenas de Unidades Básicas de Saúde, Hospital Materno Infantil, entre outros. Todo esse arranjo só perde em tamanho para o Governo do Estado, e é muito procurado, inclusive por moradores de outras localidades, em especial do sul nordestino.

06 – Educação: uma ‘Viana’ inteira só de alunos em unidades municipais

– Educação é outro critério dos mais expressivos na composição das variáveis utilizadas em todos os índices que medem desenvolvimento humano em sociedade. Neste quesito, a Serra segue a mesma lógica das acima citadas; analisando números totais, a cidade é a vice-campeã de investimento na Educação. Segundo dados mais recentes publicados pelo Tribunal de Contas, a cidade investiu em 2020 um total de R$ 214 milhões, uma montanha de dinheiro, sem dúvida. Enquanto Linhares investiu R$ 96 milhões (5ª) e Aracruz R$ 63 milhões (7ª). Mas como que isso repercute na base? A aplicação por aluno é discrepante: Aracruz na 39ª posição investiu R$ 4.073,48/aluno; já Linhares na posição de número 48, investiu R$ 3.754,39/aluno. A Serra figura em 60ª, com aplicação por aluno de R$ 3.292,29 em 2020.

6.1 – Assim como na saúde, essas diferenças se explicam pelo tamanho da rede; A Educação da Serra é uma máquina de receber crianças e adolescentes. Ao todo são 75 mil alunos matriculados, números que cresce ano a ano – só a título de comparação, esse número equivaleria à cidade de Viana inteira. São mais de 150 unidades de ensino e algo próximo a 6-7 mil servidores públicos dedicados a essa área. Muitas dessas crianças são de famílias de diversos lugares, em especial nordestinas.

07 – PIB: na divisão de riquezas caímos no ranking

De acordo com dados divulgados pelo Instituto Jones do Santos Neves (IJSN), a Serra é a maior economia capixaba. A cidade representa 18,8% do Produto Interno Bruto do Espírito Santo. Estes dados se referem ao ano de 2019 e são os mais atuais divulgados. Já Linhares aparece em 5º e Aracruz em 6º, com representatividade do PIB capixaba de 4,6% e 3,9% respectivamente. No recorte do PIB per capita a Serra volta a cair; sai da 1ª colocação para a 7ª (R$ 49.980,00/pessoa), atrás inclusive de Aracruz que figura em 5º (R$ 53.514,00/pessoa). Linhares está a uma posição abaixo da Serra, com um PIB per capita de R$ 36.577,00.

08 – Indústria: perda de importância industrial

A Serra é a cidade mais industrializada, mas nos últimos anos perdeu importância. Segundo o IJSN, a Serra tinha 25,8% em 2002 do VA (Valor Adicional) da Indústria na composição do PIB estadual. De lá pra cá outras cidades avançaram e a Serra conseguiu se manter na liderança, entretanto, perdeu ‘fatias do bolos’. Em 2018, por exemplo, a cidade alcançou 17% do VA da Indústria, e em 2019 foram 18,6%. A Serra viu cidades como Presidente Kennedy, Aracruz e Linhares, por exemplo, se aumentar sua importância econômica na indústria.

09 – Empreendedorismo: ambiente para investimento precisa melhorar

Apesar de ser a maior economia do ES, a Serra não aparece bem posicionada no ranking geral do Índice de Cidades Empreendedoras (ICE) 2022. A projeção é um instrumento de avaliação para empresas e investidores interessados no fomento à atividade empreendedora e/ou para expandir seus negócios. O ICE traz um ranking com 101 cidades brasileiras. A Serra está na intermediária pra baixo, na posição de 58º com pontuação de 5.75. Além da Serra, Vitória, Vila Velha e Cariacica também aparecem na listagem. A capital é a primeira entre as cidades capixabas, ocupando a 4ª posição geral, com pontual de 7.87. Vila Velha esta é a segunda cidade do ES, ocupando a posição de 26º com pontuação de 6.45. Cariacica aparece abaixo da Serra no ranking geral, figurando na posição 74º com pontuação de 5.44. Ou seja, apesar de sermos a maior economia, não somos a cidade que apresenta as melhores condições para quem quer empreender.

10 – Incentivos fiscais vão acabar

Incentivos fiscais do Compete-ES e o Invest-ES expiram nos próximos 10 anos e a Serra será a mais atingida. Em 2021 a União prorrogou a validade dos incentivos fiscais comerciais, de importação e de produtos agropecuários até 2032. Com isso, o estado conseguiu garantir a manutenção de, aproximadamente, 60 mil postos de trabalhos diretos, mantidos por 3 mil empresas beneficiárias de programas como o Compete-ES e o Invest-ES, dos quais a maioria estão na Serra. Entretanto, assim como o antigo Fundap, tais incentivos tem prazo para acabar, e portanto, a Serra precisa de criar alternativas para proteger a economia e os empregos.

Yuri Scardini

Morador da Serra, Yuri Scardini é repórter do Tempo Novo. Atualmente, o jornalista escreve para diversas editorias do portal, principalmente para a editoria de política.

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