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“Não querem ver os filhos da classe média alta atrás das grades”

Fabiano Contarato disse que chegou a liberar 9 corpos num só dia por acidente no ES. Foto: Divulgação

Yuri Scardini

Essa semana o Tempo Novo entrevistou Fabiano Contarato, que se destacou na delegacia de trânsito e por um breve momento comandou o Detran-ES. Ele se desincompatibilizou dos cargos públicos para articular sua candidatura a senador pela Rede de Marina Silva. Contarato destaca os erros na legislação, que segundo ele, geram impunidade e estimula a imprudência no trânsito. Confira:

Como pré-candidato ao Senado, qual a diferença do seu projeto político de hoje em relação ao de 2014, que você declinou?

Falando de forma pessoal, meu pai era motorista de ônibus da viação Alvorada, minha mãe semianalfabeta e somos seis filhos, eu o mais novo. Eu agradeço muito pela família que eu venho e pelos valores que me foram passados. Fui muito criticado lá no passado quando ensaiei porque a política está muito suja. Sofri muita pressão até de familiares, e naquele momento decidir declinar. Então eu acho que perdi o medo e não quero mais permanecer omisso.

Qual foi sua motivação para entrar na política?

Em todo o Estado, eu era responsável pela liberação de vítima fatal por acidente de trânsito. Tinha dias que eu liberava nove vítimas fatais; o último lugar onde um pai pensa em procurar o filho é no DML, que cheira a morte. E o pior, eu recebi uma carga emocional muito forte porque essas pessoas me faziam perguntas que quem tinha que responder era o legislador. Então percebi que o buraco era mais embaixo.

Que tipo de perguntas?

Por exemplo: “a minha filha morreu e o motorista não fez o teste do bafômetro, foi entregue a Habilitação dele, foi devolvido o carro, o delegado fixou mil reais de fiança; a vida da minha filha vale mil reais?”. Essas perguntas são de responsabilidade do Congresso Nacional, que infelizmente banaliza a vida humana em detrimento ao poder econômico e patrimonial. Não é à toa que o Brasil ostenta a 2º ou 3º colocação mundial em mortes no trânsito, e o ES é o 2º estado com maior índice de mortes no trânsito.

Por que de tanta tragédia no trânsito?

O poder público falha na fiscalização, não tem mais blitz nas ruas. Falha no processo educacional. A Lei diz que “a educação para o trânsito será promovida nas escolas” e isso não é cumprido. E falha na legislação. São 11 crimes no Código de Trânsito, o pior é o homicídio e se condenado ninguém vai ficar preso. O Código Penal determina que substituam as penas de prisão, quando o crime é culposo (sem intenção de matar), mesmo quando o motorista está sob efeito de álcool e drogas. Ai entra em cena prestação de serviços à comunidade, limitação do fim de semana e doação de cestas básicas. É a certeza da impunidade.

Existe solução para esses problemas?

No Brasil a Lei é feita de forma permissiva para garantir a certeza da impunidade. E o Congresso Nacional só representa os interesses de grupos, e não a população, especialmente a mais pobre. Por isso que matéria de trânsito eles legislam dessa forma porque não querem ver os filhos da classe média alta atrás das grades. É necessário mudar as leis para garantir a punição.

O senhor foi um dos que defendeu a Lei Seca. Houve resultados objetivos?

Está desidratada porque de seca ela não tem nada. O Congresso sabe fazer a indústria de multa. Se você se recusar a fazer o bafômetro em uma blitz, já vai ter que pagar R$ 3 mil e a suspensão da Carteira por um ano. Se não pagar, vem no seu IPVA, no licenciamento, então você tem que pagar. Agora, para suspender a Carteira, tirar o mau motorista das ruas, isso não é importante para o legislador, porque coloca que você tem seis instâncias para recorrer. Eu fazia parte do Conselho Estadual de Trânsito, existem motoristas alcoolizados, parados em blitz há cinco anos, e que estão dirigindo até hoje. Então eles sabem legislar naquilo que convém.

Qual seria a punição adequada para estes motoristas?

Envolver-se em acidente por uma mera fatalidade não é a mesma coisa que um motorista bater em um racha ou embriagado, sob efeito de drogas e que excede velocidade com o pneu careca e mata um chefe de família. Tem que dar tratamento igual a comportamento igual; isso não é o que está sendo feito, estão colocando todo mundo como mero acidente de trânsito, e isso transfere para as famílias das vítimas o que eu batizo de mortes simbólicas.

O que isso significa?

Eu atendi a um pai e mãe que vinham liberar o corpo da filha no DML, passavam três meses e só vinha a mãe. Eles tinham se separado. O Estado não dá apoio psicossocial para essas famílias e elas se desmancham pela dor, como se fossem culpados; então havia a morte do matrimônio, que é um desdobramento do acidente de trânsito e não entra nas estatísticas. Um avô que perdeu uma neta, que era o xodó, entra em um processo de depressão, um irmão que sente a falta da irmã; começa a ficar rebelde e se envolve com coisas erradas. São mortes, que doem tanto quanto a morte real e que infelizmente, não entram nas estatísticas. No Brasil o único condenado é a família da vítima, que sofre pela dor da perda e pela certeza da impunidade. Sem contar os impactos financeiros nas contas públicas, que poderiam estar sendo destinados a outras coisas.

Pode explicar melhor?

Esses motoristas imprudentes e certos da impunidade são pessoas que estão no ápice da produtividade e que vai sobrecarregar o INSS com auxílio-doença ou pensão por morte. Não é justo que se pague essa conta em cima de uma elevada carga tributária da irresponsabilidade de quem mata no trânsito por ter feito uso de álcool, por exemplo. E você vê aí o problema na área previdenciária.  

Ana Paula Bonelli

Moradora da Serra, Ana Paula Bonelli é repórter do Tempo Novo há 25 anos. Atualmente, a jornalista escreve para diversas editorias do portal.

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