Contorno do Mestre Álvaro: estamos pagando para construir e vamos pagar para usar

Nesta semana, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) divulgou o calendário de duplicação da BR-101 no trecho da Serra até a cidade de João Neiva. O que já era mais ou menos sabido se tornou oficial: a Eco-101 – que é a concessionária responsável – vai deixar 10 km da BR-101 na Serra sem duplicação. Isso porque a concessionária vai começar as obras da entrada com Contorno do Mestre Álvaro para cima.

Na prática, do km 257, próximo ao viaduto de Serra Sede, até o km 247, que vai ser a entrada norte do futuro Contorno do Mestre Álvaro, vai ficar do jeito que está: 10 km de pista simples. Essa via atualmente corta bairros populosos, como Belvedere, Divinópolis, Jardim Bela Vista e dá acessos às comunidades rurais de Calogi e região, por exemplo.

A última atualização divulgada pelo Governo Federal no início de abril é de que o Contorno do Mestre Álvaro estava com 60% das obras concluídas. Orçado em quase R$ 400 milhões, o investimento é realizado com recursos 100% públicos, advindos na integralidade (até o momento) da bancada federal capixaba. A ‘super-rodovia’ será feita com o que há de mais moderno em termos de infraestrutura ‘asfáltica’ no Brasil, são 19,7 km que ligará as regiões do Jacuhy (ao sul) e Chapada Grande (ao norte) passando por trás do Mestre Álvaro. A via terá pista dupla nos dois sentidos e contará com três vias elevadas, além de seis interseções em dois níveis.

Não existe a menor dúvida da importância estruturante dessa obra para a cidade, que inclusive foi idealizada há quase 30 anos, quando o ex-prefeito João Baptista da Motta incluiu o projeto como condicionante para a Prefeitura autorizar a implantação dos gasodutos subterrâneos da Petrobras. De lá pra cá, Audifax Barcelos e Sergio Vidigal se revezaram na prefeitura; Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro na Presidência da República; e tantos e tantos deputados e senadores se somaram a um esforço coletivo para concretizar essa obra.

O benefício vai além dos ganhos econômicos que advir da criação deste novo eixo de desenvolvimento, mas antes de tudo, também a respeito de vidas, já que essa obra vai aliviar o tráfego em 36 bairros do município cortados pelo atual traçado da BR 101. Portanto, para deixar absolutamente cristalino: o Contorno do Mestre Álvaro é um marco para a Serra.

Entretanto, isso não exclui a importância de uma visão crítica a respeito da modelagem que está sendo implantada. O Contorno do Mestre Álvaro, construído com dinheiro público e resultado de esforços coletivos que remontam 30 anos, será entregue para a Eco-101 explorar; e essa por sua vez, deixará de ‘brinde’ para a Serra, suntuosos 10 km de rodovia sem duplicar. Estamos pagando para construir o Contorno, vamos pagar para usar o Contorno e ainda pagaremos novamente pela gestão dos quilômetros deixados pela empresa.

O argumento da Eco é bem óbvio: o Contorno do Mestre Álvaro está previsto no contrato de concessão. É válido, lógico. Mas o contrato de concessão serve como base para justificar situações absurdas quanto a essa, mas é sumariamente atropelado quando o assunto é cronograma de investimentos, por exemplo… que pelo contrato, já deveriam estar muito mais avançados do que efetivamente estão. Caso clássico de um peso e duas medidas.

Quais as condicionantes a Eco vai deixar para a Serra, após explorar a Praça de Pedágio mais lucrativa do Espírito Santo desde maio de 2014? Não há qualquer sinalização neste sentido, enquanto isso, todos os anos, pessoas perdem a vida na entrada do bairro Cidade Pomar, por exemplo, que carece urgentemente de um trevo.

Após o Contorno ser entregue para a Eco, a empresa terá um presente duplo: com grata satisfação, repassará para a Prefeitura da Serra todo o atual trecho da 101 que vai desde as proximidades do posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF), depois de Serra Sede, até o viaduto de Carapina, quase na divisa com Vitória.

Esse trecho problemático e custoso será municipalizado e a Prefeitura vai tomar conta, destinando recursos preciosos para a gestão e manutenção da via. Não satisfeitos com esse acúmulo de benesses, dos 7 km que restaram para a Eco duplicar na Serra, vão desde a entrada do Contorno (km 247) até a divisa com Fundão (km 240), 2 km deles já são duplicados, faltando apenas 5 km para a Eco fazer o serviço.

A Serra é sem dúvida a cidade mais lesada com a concessão da 101; e recebe um tratamento que não condiz com o tamanho,  importância e grandeza da cidade explicitada em tantos indicadores.