Mestre Álvaro
Yuri Scardini é autor do livro 'Serra: a história de uma cidade' e escreve sobre política e economia

A metade oeste da Serra será o novo farol de desenvolvimento da cidade neste século

oeste Serra século
Crédito: Imagens Drone – Fabricio Lima

A zona oeste da Serra já foi um local bastante movimentado no passado (para a proporção da época), bem diferente dos dias de hoje. Isso porque, até o final do século XIX, a freguesia de São José do Queimado vivenciava o seu auge, com um grande fluxo de tropeiros e canoeiros. Eles eram os responsáveis pelo transporte de pessoas e mercadorias numa interessante dinâmica agrícola, que interligava a produção das fazendas dos coronéis das regiões vizinhas à Serra Sede à zona de consumo e exportação, localizada no Centro de Vitória.

O Queimado era onde as mercadorias e as pessoas embarcam através da logística fluvial que o rio Santa Maria estrategicamente permitia. Era comum ver grandes caravanas de animais, especialmente cavalos e mulas carregados de diversos itens agrícolas, nas rotas e pontos de parada na metade oeste da Serra, que foi por onde a cidade começou a desenvolver-se mais plenamente logo após a elevação para o status administrativo de cidade, em 1833 (na época intitulada de vila, já que ainda se utilizava o sistema de divisão administrativa português).

Tudo isso mudou de forma mais radical com o advento do século XX, quando a freguesia de São José do Queimado começou a experimentar sua decadência econômica. Na época, o processo da imigração europeia já estava consolidado, o que criou cidades como Santa Leopoldina, que dividiam a bacia hidrográfica do Santa Maria e, consequentemente, condenaram o Queimado ao fracasso comercial enquanto um entreposto de final de rota. O processo de despovoação do oeste da Serra se intensificou ainda no início daquele século, quando o Espírito Santo passou a investir em estradas, alterando a matriz logística do estado e tornando o rio um canal defasado para o comércio.

+ Entenda a pré-eleição na Serra que já está fervendo os bastidores da cidade mais populosa do ES

Tudo piorou ainda mais após a construção da Estrada de Ferro Vitória-Minas, que isolou a Serra do eixo de desenvolvimento capixaba e a empurrou para quase 70 anos de pobreza, mazelas e abandono. Nesse intervalo, a cidade precisou redescobrir sua faixa leste, já que por lá era possível redesenhar a cidade entre a Serra Sede e o litoral. Especialmente após o surgimento do prefeito Rômulo Leão Castelo, nos idos dos anos 40 em diante, Jacaraípe, Nova Almeida e Manguinhos passaram por um processo inicial de urbanização; além disso, estradas interligando a Serra Sede e Vitória começaram a ser construídas pela faixa leste.

Dessa forma, a Serra deu as costas para a metade oeste e se voltou para o leste, convicta de que por ali seria o melhor caminho para contornar o ostracismo econômico ao qual foi submetida. Eis que o capital internacional chegou ao Brasil, através das políticas desenvolvimentistas do Regime Militar, que inseriu na Ponta de Tubarão o terminal oceânico da Vale em 1964 e posteriormente implantou a CST em 1983, alterando novamente a lógica econômica da cidade, afastando-a ainda mais da zona oeste e trazendo a centralidade urbana para a faixa sul e sudeste da cidade, especificamente na região do Planalto de Carapina, que recebeu projetos industriais anexos a projetos habitacionais, provocando um isolamento econômico inclusive na própria Serra Sede e empurrando parte expressiva da ocupação irregular para Jacaraípe.

Assim dava-se início à Era Industrial da Serra. Décadas depois, em 2008, a cidade passou a experimentar também a liderança estadual da atividade logística, marcando outro período de composição econômica. No entanto, não houve alteração na territorialidade urbana, pois a metade leste continuou sendo o verdadeiro epicentro do desenvolvimento urbano da Serra com o Planalto de Carapina no centro desse processo, especialmente após a consolidação do Civit II.

Transcorridos mais de 100 anos desde o início do declínio do Queimado e do despovoamento da zona oeste, a Serra novamente volta sua atenção para essa esquecida faixa de terra onde o sol se põe, ou seja, a parte oeste, que se estende do Mestre Álvaro até o rio Santa Maria, que limita a divisa com Cariacica e Santa Leopoldina.

Mas por que a cidade deve voltar a olhar para o oeste planejando as próximas décadas? A Serra possui uma peculiaridade em relação a Vitória e Vila Velha. Essas duas cidades se desenvolvem impulsionadas por projetos da iniciativa privados. O poder econômico particular chega a uma determinada região e realiza investimentos imobiliários e comerciais; posteriormente, o poder público intervém, organizando a expansão e urbanizando. Na Serra, por outro lado, é o poder público que lidera os investimentos. É ele quem precisa fomentar o desenvolvimento, primeiro abrindo estradas que conectam vastas áreas vazias e, somente depois, o setor privado descobre as novas zonas de expansão.

Foi assim que o primeiro projeto a oeste, pós-era industrial, aconteceu. O Contorno de Vitória foi a primeira grande experiência de reconexão da zona oeste da Serra. Concluído nos idos dos anos 1980, a estrada interligou a BR-101 com Cariacica pelo oeste com o objetivo de desafogar o fluxo de trânsito em Vitória. Demorou muito para que aquela faixa se consolidasse como uma região de expansão econômica e urbana. Somente em 2006, por exemplo, a Alphaville Urbanismo S/A iniciou o empreendimento que hoje forma o bairro Jacuhy, um complexo condominial de luxo.

Ainda assim, foi um projeto na margem sul da cidade, quase na divisa, o que não alterou o isolamento do distrito do Queimado e Calogi, muito menos as áreas não litorâneas a oeste de Jacaraípe e Nova Almeida. Transcorridas décadas desde esse primeiro passo, em 2024, o grande projeto de infraestrutura rodoviária a oeste da Serra finalmente foi inaugurado: o Contorno do Mestre Álvaro. Após mais de 20 anos de tratativas, idas e vindas do Governo Federal e uma contínua pressão de múltiplas forças políticas locais, a nova rodovia desviou o fluxo de trânsito nacional de dentro da malha urbana a leste da Serra para a zona rural a oeste da cidade.

As áreas mais ao sul do Contorno do Mestre Álvaro, que se liga com o Contorno de Vitória, são terrenos mais complexos ambientalmente, já que estão mais próximas da baixada brejosa do Mestre Álvaro, que funcionam como áreas naturais de drenagem de água e evitam o alagamento de mais de uma dezena de comunidades. Essas áreas, que no passado agrícola da Serra eram utilizadas para o plantio de arroz devido às suas características alagadas, vão mudando conforme avançamos ao norte. Especialmente após o Centro de Detenção Provisória (CDP) do Queimado, local onde o solo começa a se estabilizar e a paisagem alagadiça dá lugar a fazendas, pastos e propriedades rurais, que se estendem até a conexão do Contorno com a BR-101.

Esse é um projeto de muito potencial, associado ao fato de que, a partir dele, a atual BR-101 entre Serra Sede e Carapina será municipalizada, finalmente conferindo à cidade autonomia administrativa para determinar o rumo e o ritmo de desenvolvimento desse eixo tão importante. O Contorno do Mestre Álvaro soma-se a outra obra em ritmo acelerado de execução: o Contorno de Jacaraípe. Geograficamente, esse novo viário não está tão a oeste como o Contorno do Mestre Álvaro, porém, exercerá um papel importante para toda a região da Grande Jacaraípe e Nova Almeida.

Na prática, a ideia é a mesma: desviar o fluxo de trânsito das zonas de ocupação consolidadas a leste, rumo a oeste. Nesse caso, passando pelas áreas pertencentes à Suzano (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose), que é dona de quase 10% da Serra e utiliza a maior parte dessas áreas para o plantio da monocultura do eucalipto, a qual não traz nenhum benefício para a Serra em termos de geração de emprego, renda, impostos, biodiversidade e expansão socioeconômica.

O Contorno de Jacaraípe vai devolver a Abdo Saad sua vocação para o turismo e desviar o fluxo de caminhões para a área não litorânea de Jacaraípe e Nova Almeida. Porém, isoladamente, ele traz mudanças limitadas. Aí que entra outro projeto: o Contorno de Santa Cruz, uma rodovia projetada pelo Governo do Estado que vai criar um novo eixo viário entre a BR-101 e a ES-010, interligando a zona de expansão logística-portuária de Aracruz com a Serra. Dessa forma, conectando o Contorno de Jacaraípe e o de Santa Cruz, a Serra estará inserida, pela faixa oeste, na pujante economia do norte capixaba, que está dinamizando Linhares, mas sobretudo Aracruz.

Interligar melhor Aracruz com a Serra vai possibilitar que o parque de metalmecânica da Serra amplie sua competitividade, em um contexto em que o Estaleiro Jurong deve absorver parte dos investimentos oriundos do bilionário acordo entre a Petrobras e a Seatrium O&G Americas Limited, dona do estaleiro, para a construção de dois navios-plataformas. Sem contar o complexo portuário, a Suzano e a Zona de Processamento de Exportação (ZPE) recém-instituída em Aracruz. A Serra precisa absorver parte do dinamismo econômico que está acontecendo em Aracruz, pois tem maior capacidade de oferta de mão de obra, serviços e infraestrutura. E as zonas a oeste são o caminho por onde tudo isso pode acontecer.

Se fosse possível imaginar outro projeto, ligando o futuro Contorno de Jacaraípe com Serra Sede, talvez através da Variante de São Domingos já idealizada pela Prefeitura da Serra, haveria assim uma outra Serra: aquela que emergiu após 1960, impulsionada pelo Complexo de Tubarão; e uma outra, que será estabelecida pelas faixas a oeste das zonas já ocupadas, canalizadas pelos Contornos, com conexão econômica com o norte capixaba, proporcionando a Jacaraípe e Serra Sede uma nova oportunidade de redesenhar sua importância econômica e tributária para a cidade.

A Serra também tem a oportunidade de receber investimentos na atividade logística que estão migrando do Rio de Janeiro; o estado está enfrentando múltiplas crises, o que está provocando profundas dificuldades para esse segmento econômico, com perdas exorbitantes devido à completa insegurança no transporte de cargas. Essa tendência já é observável, e a Serra é a capital logística do Espírito Santo, estado vizinho ao Rio. A abertura de novos eixos viários pode criar um corredor para ampliar essa vocação natural da cidade, em um momento em que o Espírito Santo se tornou referência nacional em aspectos como governança fiscal e estabilidade institucional.

A ocupação dessa área para fins econômicos não será um processo rápido e automático, e nem deve ser, considerando os melindres ambientais. Estamos tratando de projetos para as próximas décadas. O Poder Público precisará agir conforme a demanda se apresentar; porém, fica evidente que o crescimento populacional da Serra seguirá contínuo, talvez a uma taxa de 10 mil habitantes por ano, tornando-a uma das cidades que mais crescem em número de habitantes no país. Atualmente, 60% do território da Serra é rural, e se há a necessidade de a Serra continuar expandindo economicamente para sustentar o crescimento populacional e as demandas que dele surgem, a faixa oeste das áreas já consolidadas é o verdadeiro caminho para o sucesso do próximo século.

Serra Podcast

Conheça o Serra Podcast: a nova forma do Tempo Novo se comunicar com você, leitor.

Serra Podcast

Conheça o Serra Podcast: a nova forma do Tempo Novo se comunicar com você, leitor.

Serra é a cidade que mais cadastrou famílias na Tarifa Social de energia em 2024

Somente nos últimos quatro meses de 2024, 5.833 famílias da Serra foram cadastradas no benefício da Tarifa Social de Energia Elétrica. Segundo a EDP,...

Partido de Casagrande, o PSB, oficializa apoio a Weverson Meireles para prefeito da Serra

Na noite desta quinta-feira (25), o PSB, partido do governador Renato Casagrande, realizou sua convenção na Serra. Aproximadamente 600 pessoas se reuniram em Laranjeiras....

Entenda como suspeitos de tentativa de sequestro na Serra foram encontrados

Foram presos na noite dessa quinta-feira (25) os dois suspeitos de envolvimento na tentativa de sequestro de um ciclista na Av Central, em Laranjeiras....

Tecnologia em favor do lipedema: especialistas apontam procedimentos que ajudam no tratamento

O lipedema, doença genética e inflamatória que provoca o acúmulo desproporcional de gordura em algumas partes do corpo, traz muitos desconfortos, que vão desde...

Vídeo| Veja o momento exato da tentativa de sequestro na Av Central

As câmeras de videomonitaramento flagraram uma tentativa de sequestro em plena luz do dia em uma das avenidas mais movimentadas da Serra. A Av....

Leva Jeito lança DVD com participação dos cariocas do Imaginasamba na Serra

No próximo dia 10 de agosto, a partir das 17h, o SB Conveniência, anexo ao Posto SB em Planície da Serra, será o cenário...

Ciclista é baleado na cabeça após ser atropelado por carro na Serra

  Um ciclista foi baleado na cabeça na Serra após ser atropelado por um Gol branco na Avenida Central, em Laranjeiras, na tarde desta quinta-feira...

Laila Orlande e Forró Regaço animam ‘sextou’ em Morada de Laranjeiras

O "Sextou" desta semana será especial em Morada de Laranjeiras, na Serra. O evento acontecerá no Cerimonial Manguinhos, oferecendo uma noite repleta de forró,...

Moradores de Belvedere cobram linha exclusiva de ônibus para atender comunidade

Usuários da linha 896, que atende o trecho do bairro Santiago até o Terminal de Laranjeiras via BR 101, passando pelo bairro Belvedere, estão...